ARTE MALUNGA: sustentação ideológica e financeira
Ivonete Aparecida
Alves - Agbá do Mocambo Nzinga
... A perversidade do caso brasileiro
Na minha
infância urbano rural, eu ficava dias desolada olhando a pobreza da nossa casa.
Trabalhávamos muito, eu e minhas irmãs desde muito pequenas. A casa
literalmente caindo aos pedaços não tinha luz elétrica, o forno do fogão não
funcionava e o fogão a lenha ardia os olhos da gente quando a gente assoprava
para avivar o fogo. Então a parte boa era o quintal de casa, repleto de frutas
nas árvores.
Me criei em
cima das árvores. O pé de goiaba tinha galhos grossos e comportava meu peso
muito bem. As ameixeiras amarelas permitia que eu passasse de uma árvore para
outra, sem ter que descer no chão.
Eu queria ter
coisas além daquelas que matavam minha fome de comida. Queria poder usar uma
roupa que não tivesse sido de muitas outras pessoas antes de mim. Um sutiã com
elástico que prestasse e não fosse preciso dar tantos nós para ficar firme. E
ainda recebia um monte de críticas porque o sutiã cheio de nós aparecia por
debaixo da blusa.
Cresci sem
poder solucionar a pobreza material nossa. A busca pelo trabalho foi outra luta
enorme, pois uma menina preta que tinha estudado não faz diferença alguma numa
comunidade pobre, sem os “quem indica”. Os dedos milagrosos que mantiveram a
ideologia escravocrata.
Foi preciso
aprender: nós pretas por nós mesmas. O desejo que algumas pessoas manifestavam
para tentar entender nossa causa era pura falsidade. É um desejo para dirimir a
culpa. Como continuar criando histórias falsas sobre nossa preguiça, nossa
indolência se testemunha quem trabalha duro e ainda assim chafurda na pobreza?
Mas demorei algumas
décadas para deixar de dar importância para as ausências. O que importa é a
presença: a presença da sabedoria dos matos e ervas; a sabedoria da
transformação do lixo em arte; a sabedoria sobre as técnicas sobre o uso de
elementos da natureza; a sabedoria da cura do corpo e do espírito.
Economia de
recurso. Economizar roupas usando roupas já usadas. Economizar água. Reter a
umidade na terra. Usar os tijolos desprezados, cultivar os terrenos
desprezados. Plantar e colher o de comer. Fazer sombra ao invés de climatizar
artificialmente. Deixar o sol entrar, ao invés de ligar a lâmpada. Afinal
cresci sem ter luz elétrica em casa.
ARTE MALUNGA com despojos
Despojaram uma
grade na caçamba. Obra de arte. Despojaram um arco com uma base sintética. Obra
de arte. Despojaram uma tela enferrujada: base para outra obra de arte.
Mas o estudo
com as tinturas naturais esteve na base das produções com adinkras. Foi muito difícil
estudar as maneiras de usar a simbologia adinkra, respeitando toda uma história
desta simbologia.
Então usei
urucum. Usei açafrão e tintura de angico. Terra roxa de Iepê.
RECEITAS QUE COMPÕEM A BASE DAS PINTURAS DE
ADINKRAS AQUI ILUSTRADAS
Açafrão
Pode ser o
açafrão já em pó ou os tubérculos.
Os tubérculos
devem ser batidos no liquidificador com um pouco de água. Coe e teste na folha.
Eu consigo um pouco mais de cor deixando o pó no álcool, que também é
conservante.
O açafrão moído
também serve para tingir tecidos de algodão, mediante processo de fervura.
Símbolo adinkra pintado sobre papel Fabriano colorido com açafrão
Terra
Dissolva a
terra na água e teste a cor e textura que deseja. Coloque um pouquinho de cola de
boa qualidade para evitar que a terra solte da folha.
Urucum
Deixei as
sementes de urucum no álcool por algum tempo. Na hora de aplicar a tintura no
papel, eu usei também algumas sementes para conseguir uma coloração mais
intensa no papel.
Cascas de beterraba
Usei as cascas
de uma porção que cozinhei para a salada de beterraba. Amassei, apliquei com o pincel
e depois fui colocando uns pedacinhos da casca para conseguir um tom mais forte
em alguns trechos do papel Fabriano.
Funtunmmireku Denkremmireku: símbolo adinkra (compartilham um só estomago , porém brigam pela comida). Símbolo da unidade na diversidade.
Vamos ter uma postagem sobre os adinkras e também sobre as técnicas de produção dos trabalhos.
Então começe pesquisando e juntando material para produzir arte negra com os despojos e assim garantir que suas crianças e todas as pessoas tenham acesso a ela. É muito inundar nossas periferias com arte de boa qualidade.