segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 

Arte malunga – OBRAS – 2º ato – Ivonete Aparecida Alves

Descrição das obras – Versão 2 – Com a Supervição de Paulo Henrique da Silva Leonardo

 

Página

Introdução

02

AKIlo Roxo: Pombagira Bará

03

Orixalás sobre capulana

04

Oxuns adrinkrerenes

05

Chippewa dremcattcher (filtro dos sonhos)

06

Krapa  Cruz Kopta

07

Kayalas sobre  grades

08

Waakanda (Oguns e Xangôs)

09

Oxum Atotô

10

Fofoo

11

 De uma Ibeji

12

 Festa de Abayomis

13

 Entre a Espada e o Espelho

14

Yemanjá Sessu

15

 Fafanto com Sônia

17

 Sankofando sobre madeira de lei

18

 Explendor em rosa

19

 Ossaim ou Caiporas

20

 Iroko

21

 Oxum Mai Mais

22

 Ogum Kekere

23

 Nana Nanã

24

 Oxossi encontra  Chippewas

25

 Ogum Onirê

26

 Opaxarô de Oxalá recebe Xaxará de Capanã

27

Considerações

28

 

 

Introdução

Esta Exposição chamada Arte Malunga da artista plástica Ivonete Aparecida Alves está instalada no Mocambo APNs Nzinga Afro-Brasil no Jardim Cambuci em Presidente Prudente, estado de São Paulo- Brasil.

Trata-se de 24 obras construídas com bonecas Abayomis sobre suportes variados. As bonecas Abayomis foram nomeadas pela artesã Lena Martins nos anos 1980, no Rio de Janeiro, quando ela, com retalhos de tecido da cor preta, fez nós para formar o corpo completo de um ser semelhante à estrutura do corpo humano. Com uma tira maior dobrada ao meio ela deu um nó formando a cabeça e com uma tira menor e mais estreita amarrou no centro, abaixo do nó da cabeça formando os braços. Para representar as mãos ela deu um nó em cada extremidade dos braços e outros nós para formar os pés.

Estruturado o corpo ela vestia as bonecas com tecidos coloridos. Abayomi é uma palavra africana muito comum em diversas línguas e significa “encontro precioso”. A boneca não tem marcação de boca, olhos, nariz e representa o princípio e todas as pessoas pretas. Portanto, não se faz Abayomi com o corpo de qualquer outra cor que não seja preto retinto.

Existe também uma lenda, muito difundida, de que as Abayomis foram criadas nos navios negreiros para consolar a crianças. É provável que várias bonecas tenham sido produzidas na travessia, mas a Abayomi é uma criação na diáspora negra.

Além das Abayomis a Exposição Arte Malunga  2º Ato, está composta com obras onde existem os  símbolos adinkras. Os adinkras possuem significados correspondentes aos provérbios. Por exemplo, o sankofa é a representação de um pássaro e significa: “Nunca é tarde para voltar e apanhar o que ficou para trás” ou aproximando de uma linguagem corrente: “Símbolo da sabedoria de estar com os pés no presente, aprender com o passado para construir o futuro”.  Foi utilizado como guia  o livro de Elisa Larkin Nascimento e Carlos Gá chamado “Adinkra – sabedoria em símbolos africanos” editado pela Ipeafro, 2009..

Compondo com as Abayomis e os símbolos adinkras, a maioria das obras foram criadas contendo tiras de tecido amarradas formando trouxinhas com as pontas soltas, doravante chamadas “trouxinhas”.

Assim as obras constroem uma ideia de cheio/vazio, de altos e baixos produzindo um relevo diferenciado e também texturas variadas no uso de materiais macios, outros de metais ou madeira, contas ou mesmo peças de cerâmica compondo as obras.

Todas foram produzidas para serem tocadas, sentidas, ouvidas promovendo um universo de ludicidade na apreciação da obra de arte.

Todas as bases utilizadas vieram de um processo de reaproveitamento por coleta em caçambas, encontradas nas calçadas ou adquiridas em lojas de materiais usados, como as grades de janelas ou portões, tampas de latão, suportes variados em ferro, madeira ou acrílico.



1.                  AKIlo Roxo: Pombagira Bara



 

AKilo Roxo é uma peça produzida com abayomis em variados tons de tecido vermelho sobre uma moldura de ferro pintado de vermelho, preenchida com uma tela de galinheiro sobre a qual chama a atenção um falo exagerado coberto com tecido preto enrugado com pequenos laços em vermelho e búzios aplicados em sua superfície entre laços de malha em vermelho. Acima do falo há um vulva com dois búzios africanos produzida com tecido imitando pele preto. Sua estética foi composta por 4 símbolos adinkras chamado Tabono traduzido como Remo: símbolo de força, confiança e persistência, símbolo este de formato curvilíneo. Os quatros símbolos foram preenchidos com trouxinhas vermelhas e pretas em contraste. No entorno dos símbolos preenchendo as 4 sessões de AKilo Roxo estão as mais de 120 abayomis com alguns apliques de fuxicos feitos com chitão colorido. Uma faixa de tricô de lã em tons degradê vermelha compõe uma parte desta obra. As abayomis foram costuradas à tela de galinheiro e as demais peças foram  fixadas por amarrio  em 2 ou mais lugares diferentes.





Orixalás sobre capulana


Esta obra foi composta utilizando como base a tampa de uma caixa de som sobre a qual foi aplicado um tecido conhecido no Brasil como capulana, que é muito colorido e este imita o batique, em tons verde, amarelo, marrom em contraste com o fundo branco. As abayomis Orixalás vestidas com calças de túnicas brancas tem um adorno em vermelho na cintura e têm entre 7 a 12 centímetros de comprimento, costuradas aos pares sobre a base. No centro da obra há uma faixa preta onde se destacam ninhos de landejoulas bege bordadas a certa distância umas das outras e separadas por pedras de vidro bordadas sobre a faixa preta. Margeando a faixa há bonecas Abayomis vestidas de azul claro a moda de Yemanjá.



Oxuns adrinkrerenes




Obra composta também sobre a tampa de uma caixa de som recoberta por uma capulada onde se destacam símbolos adinkras do tipo “Adinkra Hene 2” uma das versões do rei dos adinkras que significa “A supremacia e a onipotência de Deus”. Estampados nesta capulana 3 círculos concêntricos em vermelho no centro, depois azul escuro, depois um estreito círculo vermelho e um círculo mais largo branco com risquinhas azul escuro, com as imitações do batique na base do tecido onde se destaca o amarelo no fundo. Todas as abayomis  presentes nesta obra são em tons amarelo, com algumas em laranja e branco organizadas em torno dos símbolos adrinkras do próprio tecido.



Chippewa dremcattcher (filtro dos sonhos)


A base desta obra foi a parte de uma escada para cama do tipo beliche, então ela é retangular com a parte superior maior que a base. Sua estrutura foi encapada com malha preta. Ao centro e acima há um filtro do sonho em formato de meia lua produzido com linhas alaranjadas, deixando pontas finalizadas com contas coloridas.

Na parte inferior há um filtro dos sonhos tradicional produzido com cipós entrelaçados feito com linhas vermelhas escuras e na área mais próxima ao centro com linha amarelo ouro. O miolo foi produzido com 3 pedras verdes. O canto esquerdo superior foi preenchido com Abayomis vestidas com uma malha de fundo branco com risquinhas em amarelo, vermelhas, azuis e verdes bem fininhas. O canto inferior esquerdo tem trouxinhas de malha branca com risquinhas pretas. O canto superior direito tem as mesmas trouxinhas e no inferior direito as Abayomis.



Krapa  Cruz Kopta

     

A base desta obra, em três seções, foi o encosto e os dois pés traseiros de uma cadeira originalmente de metal tubular. Duas das partes do meio da cadeira compuseram sessões separadas, uma abaixo à esquerda e outra acima à direita unidas por várias tiras de malha preta em diagonais indo e vindo. Destaca-se no acima ao centro, o símbolo adinkra chamado Krapa ou Musuyide que significa “a boa fortuna ou a santidade”; “a santidade é como o gato, odeia a sujeira”: “símbolo da boa sorte, da santidade, do bom espírito, da força espiritual”.       A obra foi completada com trouxinhas de malhas coloridas de fundo branco e riscadinhas de preto com detalhes rosa. A parte tubular, tanto das seções 1 como da 3, foram recobertas com malha laranja vivo onde se aplicaram um conjunto de abayomis margeando a obra. O conjunto central e maior tem Abayomis somente na área central.



Kayalas sobre  grades




Esta obra foi construída sobre uma base de metal quadriculado recoberto com tecido azul celeste, e um trançado irregular de tiras de malha azul celeste em toda a base amarrado nas bordas da base. As Abayomis foram aplicadas aleatoriamente aqui e acolá. Cordões do tipo utilizado pelo Bispo do Rosário em seu Manto de Apresentação contendo pequenas flores em tons claros, pendem irregularmente de toda a obra, vazando para fora da tela. Em cima há tecido rendado em azul turquesa claro com bordados em relevo que está fora e vem para dentro da tela. 


Waakanda (Oguns e Xangôs)






Esta obra está composta em 3 seções. A da direita está posicionada acima da parte posicionada na esquerda. Ao centro ficaram as ferramentas de Ogum e o Oxé de Xangô sobre o qual há uma escultura do Pantera Negra em miniatura, de onde provém o seu nome Waakanda, em homenagem a Chadwick Boseman. No total tem 2 metros de largura por um metro e sessenta centímetros de comprimento. A sessão um, lateral esquerda, tem 2 ângulos retos formando um quase retângulo, já que a parte central possui a tela de galinheiro afrouxada podendo ser movimentada. O mesmo acontece na sessão três só que os ângulos retos estão da direita para a esquerda.

A sessão um foi composta por Abayomis de uns 10 cm em tons azuis cobalto até azul marinho, representando Oguns e Abayomis também de uns 10 cm em tons vermelho representando Xangôs. As trouxinhas foram utilizadas em formado de linhas curvilíneas e são em tons variados com estampas claras. A lado côncavo do telado está com um acabamento com as trouxinhas. No centro inferior há um Oxê de Xangô – machado com dois lados – pintado em vermelho com estrias azul cobalto, tendo um adorno em tecido vermelho bordado com miçangas e lantejoulas prateadas. Sobre esta enxó há a escultura do Pantera Negra  em posição de combate, vestido com sua roupa preta colada ao corpo, colar de unhas de felinos em prata e máscara aderente. Acima há uma enxada pintada de vermelho e abaixo uma foice e um facão também pintados de vermelho. A sessão 3 imita a sessão 1, posicionada abaixo uns 30 centímetros da linha limite da sessão 1. Das sessões 1 e 3 destacam-se um símbolo adinkra chamado Hwehemudua que é o bastão da procura ou de medida, símbolo da excelência, da perfeição, do conhecimento e da qualidade superior. Seu formado é como o de uma taça com três astes sobre base larga retangular sustentada por uma aste central sobre a qual está emborcada outra taça com 2 astes. Foi feito com madeira recoberta com tecido aveludado verde escuro, colado sobre a madeira.




Oxum Atotô


Neste segundo ato da Exposição Arte Malunga há 5 obras constituídas sobre rodas de pneus para bicicletas, sem as borrachas, doados pela malunga Selma. Esta obra foi encapada com tecido de malha frisada em amarelo limão e todos os aros foram encapados e após foi feito um trançado irregular com malha formando uma rede para acolher as Abayomis. Para completar a estética foram recortados com tesoura de picotar peças circulares de capulana sobre as quais foram aplicadas as Abayomis em conjunto de duas, por vezes três Abayomis em variados tons de amarelo. O centro do aro foi preenchido com uma trouxinha grande produzida com retângulos de malha formando uma sombra de Obaluaê, cujo comprimento é Atotô, nas cores de Oxum.


Fofoo
      



Fofoo é o nome do símbolo adinkra que representa a planta africana símbolo, da necessidade de evitar o ciúme e a inveja. Este símbolo foi produzido com o estofamento em verde claro com seis pontas arredondadas e um centro oco, onde na peça, há uma trouxinha produzida com retalhos verde escuro. A peça circular veio de um aro de um grande abajur redondo e foi base para um conjunto de Abayomis coloridas que circundam o símbolo Fofoo. Na parte superior há seis pedras verdes de cristal de vidro que indicam a parte para cima da peça. Todas as Abayomis foram dispostas tendo como guia as pedras de cristal com a cabeça assim posicionada: para cima.


De uma Ibeji


Este peça foi encapada e produzida com o gosto de uma criança: a Ana, aprendiz do Mocambo Nzinga, agora com 11 anos. Ela escolheu as cores e as Abayomis para produzir uma peça colorida, sem uso de outras simbologias. Tem muitas Abayomis coloridas destacando-se o rosa choque do aro e trouxinhas amarelas dispostas entre o bloco de Abayomis.


Festa de Abayomis



Também produzida pela Ana, esta peça com base em um dos aros de bicicleta, destaca-se pelo um miolo onde são colocadas as correntes da bicicleta de marcha, pintado em amarelo ouro em contraste com as Abayomis em tecido de malha branca riscadinha de vermelho, azul amarelo e verde claro. Como não houve Abayomis suficiente, a Ana escolheu Abayomis com roupinhas rosa choque para completar a obra. As trouxinhas de tecido branco com risquinhas completam a obra cheia, plena. No centro há um fluflu de linha vermelha.




Entre a Espada e o Espelho




No centro desta obra dedicada à Yansã está o símbolo adinkra Me Ware Wo – Vou me casar com você, símbolo de compromisso e perseverança. Provérbio que canta “ninguém mistura às presas o concreto que sustentará o lar do matrimônio”. São 4 círculos acoplados aos pares, ligados por uma pequena aste no centro no sentido de cima para baixo, e na parte superior nas 4 seções do símbolo Me Ware Wo há uma meia aste que acaba antes do centro de cada círculo.

A obra foi confeccionada sobre um aro de bicicleta todo encapado. É toda em vermelho. A  rede que sustenta as Abayomis são feitas em malha entrecruzadas. As abayomis também são em vermelho em diversos tons. Na parte superior da obra há um apêndice robusto em formato de uma meia lua irregular com uma parte bem mais larga que a outra. Neste apêndice fixado na parte superior do aro está contido um espelho com bordas douradas. No canto superior do círculo está uma espada dourada produzida artesanalmente com uma cabo de pincel e lataria recortada. Abaixo um saco de tule vermelho contem contas coloridas em diversos tamanhos, trazendo para a obra uma leve sonoridade ao toque. 


Yemanjá Sessu


Yasessu é uma Yemanjá contada como velha e esquecida, mas outras vezes como nova e desmiolada. Quando velha, o mais corrente, é  Yaba importante. 

Esta obra é composta sobre um suporte em sessões contornadas por madeira pintada, com um cano pintado de dourado escurecido no centro do retângulo, sobre o qual estão sentadas 6 Yemanjás em tons variando do azul celeste ao verde água. Sobre este espaço há uma faixa produzida em tecido grosso com 3 quadros recortados de uma capulana de fundo rosa choque, onde estão desenhadas em preto, 3 mulheres africanas ligadas pelos braços. Separando os quadros, duas pequenas Yemanjas estão assentadas sobre uma flor verde de pontas afiadas. Abaixo um tecido em brim bege sustenta colar prateado de um lado e do outro 7 pequenas Yemanjás que ao final pende um chumaço de fitas azuis brilhantes. Depois de um espaço só com o telado há uma renda larga e sobre sua beirada mais 5 Abayomis. Outro espaço em telado e há um cordão adornado com contas de vidro transparente. Mais uma faixa com abayomis finaliza a borda inferior da obra. Já a borda superior recebe um símbolo adinkra estilizado com canutilhos de plástico e pintura a dedo em azul cobalto.

      O símbolo adinkra é o Owo Foro Adobe – a cobra sobe a palmeira ráfia: símbolo da engenhosidade e da execução de uma façanha extraordinária, baseado na capacidade da cobra que, sem mãos nem pés, sobe a palmeira ráfia. Este símbolo possui 2 pilares retangulares paralelos na esquerda e no centro os bordados com o canutilho representam a cobra do símbolo com os outros 2 pilares paralelos na direita da obra. São estilizados e nas duas bordas, uma na direita e outra na esquerda foram pintados o símbolos simplificados com apenas um pilar cada.


Fafanto com Sônia





Inspirada na obra da artista mineira Sônia Gomes, de quem herdou as torções e materiais e na de Artur Bispo do Rosário o reaproveitamento de obras, Fafanto é borboleta, um símbolo adinkra da ternura, delicadeza, honestidade e fragilidade, aqui representada no quadro com dois Fafantos desenhados com tinta preta e coloridos com bolinhas amarelas e azuis. Além dos desenhos o quadro possue apliques de abelhas confeccionadas com miçangas brancas, amarelas e pretas produzidas por uma criança já há mais de 8 anos. A obra recente compondo com as abayomis, possui um eixo central que se alonga para baixo. Encima possui com 3  arremedos de asas cuja asa central está encimada com um chumaço de retalhos amarrados em vermelho. Ao redor de suas bases circulares foram pregadas Abayomis bordadas em retalhos retangulares de tecido, podendo ser apreciada em vários ângulos. As abayomis são em cores variadas e o eixo central horizontal onde se encontram os arremedos de asas está repleto de Abayomis aplicadas. 



Sankofando sobre madeira de lei



Sankofando foi produzida sobre um tampo de mesa de madeira de lei feito com 3 tábuas pregadas em cima e em baixo sobre outras tábuas. A tábua à esquerda possui acima um saco emborcado de tecido de algodão tingindo com urucum, de onde parece cair penas de pássaros sobre um adereço de metal arredondado com bordas trabalhadas. Logo abaixo um travesseiro de bordas irregulares e mais um adereço de metal arredondado. Abaixo um sankofa pintado de verde marrom e branco seguido de um aplique de um símbolo sankofa produzido em cerâmica ancestral tingido de marrom com pintas verdes em relevo. Na tábua central foram aplicadas almofadas irregulares produzidas com capulanas coloridas e na terceira tábua, mais à direita  acima, foi aplicada uma almofada de capulana e na borda final um cachecol de tricô feito com linha lilás e fios brilhantes porta várias Abayomis coloridas costuradas sobre o cachecol que parece displicentemente arranjado na borda e sai para abaixo além dela. Foram aplicados 2 peças de metal arredondado, uma no canto superior desta 3ª sessão e outra logo abaixo da almofada de capulana ainda na parte superior direita da obra.


Explendor em rosa


A base principal desta obra foi composta com uma cabeceira cama antiga encontrada na calçada da Vila Líder. Esta base foi pintada com tinta acrílica em tom rosa e posicionada na vertical. Sobre a madeira foi estampado o símbolo adinkra Gye Nyame que significa “ninguém entende os mistérios da vida exceto Deus”. Destaca-se na parte inferior direita um leque aberto e no canto superior esquerdo um espelho dourado. Algumas tiras de malha azul turquesa compõem por cima de toda a obra, à imitação de traços que cortam a obra em diagonal.

A base da cabeceira da cama serviu como guia para a aplicação da tela de galinheiro nos lados, preenchidas com Abayomis em tons rosa e trouxinhas em quantidade. A obra tem duas sessões: uma principal na cabeceira da cama e uma lateral esquerda composta por uma grade retangular com Abayomis vestidas com capulanas coloridas. Nesta sessão retangular o fundo foi implementado com um tecido azul celeste entrevisto sob as Abayomis de capulana,  e as trouxinhas em tons rosa.

Por baixo rente ao muro, compondo o contraste espacial existe um trançado de malha azul escuro, azul celeste que se entrecruzam em amarrios geométricos que salta das duas sessões da obra.

 


Ossaim ou Caiporas




A amiga folhagem está composta em uma obra circular do aro de bicicleta recoberta com tecidos de cetim em tons de verde bandeira nas extremidades, e nos aros internos com malha em verde limão. As Abayomis foram feitas com chitão verde estampada de flores rosa, e outras em tons verdes sobre verde, além de algumas com chitão rosa com estampas de pequenas flores brancas. Acima ao centro 2 cabaças naturais foram amarradas com tecido verde e no centro um chumaço de penas de pássaros adornam a obra.


Iroko




Um abacateiro gigante foi escolhido para ser Iroko – o Tempo. Um laço enorme branco feito com espumas recoberto de tecido macio e com uma renda tem no seu centro uma coruja encrustada de pedras brilhantes. O laço é completado por duas abas em tecido rendado que caem ocultando parte do tronco da árvore. Abaixo e ao centro um cesto de bambu recebe uma grande Abayomi vestida a moda de Iroko quando desce nos terreiros de branco e com pedras, sementes e contas dependuradas no seu corpo. A Abayomi está sentada sobre as palhas com várias cabaças pequenas redondas ao seu entorno, conhecidas como caeté pequena. Há também no balaio de Iroko frascos de vidro com perfume, produzidos pelas mulheres do Pará no Mercado Ver o Peso.


Oxum Mai Mais


Esta Oxum está instalada em um tripé de ferro com pouco mais de um metro de altura todo trabalhado em tiras de malha laranja e roxa que se cruzam em formatos triangulares e retangulares de cima abaixo. A Abayomi foi produzida como a tradição de malha preta retinta vestida em amarelo ouro com uma renda na guisa de sobre-peça. De seu pescoço pende 3 conjuntos de plumas amarelas que descem quase até o chão. Em uma mão ela traz uma espada e na outra um espelho com moldura de prata.


Ogum Kekere




Uma cesta  de metal retangular encapada com malha deu base para esta obra composta em azul profundo  onde Ogum brincante, criança representado por Abayomis em vários tamanhos penduradas na base da cesta, com a frente aberta chegam até encima como se estivessem em uma corda bamba. Um grupo de Abayomis está na parte superior da obra como se de lá fossem pular. O efeito foi obtido com a aplicação de um sistema de água para bidê. Os dois fechos da torneira de metal antigo em prata e o cano da torneira foi colocado de modo que salta na parte superior da cesta de metal e pode ser movido como peça articulada à base principal.


Nana Nanã



Esta obra foi produzida sobre 4 cestas de palha articuladas entre si com tranças de tecido rosa esmaecido de algodão. Acima da composição um Ibiri gigante produzido com palha de bananeira e capulana. As cestarias receberam Abayomis vestidas em tons lilás representando Nanã e outras em tons terrosos amarronzados representando Onilé. Em cada cesta de palha, ao centro dela um Ibiri produzido com palha da costa e tecido no local destinado a ser segurado. As cestarias estão posicionadas em alturas diferentes, com um eixo central onde aparecem as cordas de tecido trançadas e nós para seguram a obra.


Oxossi encontra  Chippewas



Chippewas vivem nos EUA e criaram os filtros dos sonhos presente nesta obra em um formato circular com duas penas pendendo de suas laterais. Este filtro foi produzido pela Tati, uma negra indígena mãe do  Ao centro há um    SEPOW – o símbolo adinkra conhecido como o punhal do carrasco, com o qual se perfura as bochechas da vítima para evitar que invoque uma maldição contra o rei, pé o símbolo da justiça, do castigo e do ofício da justiça. Este Sepow foi produzido à partir de uma lata de 20 litros e recoberto com tecido colorido com pimentas verdes, amarelas e vermelhas. Na esquerda abaixo, destaca-se um plumário de aves brasileiras e logo abaixo  um grupo de Abayomis vestidas em verde limão com risquinhos pretos. No canto superior direito o símbolo de Oxossi em metal prateado e logo abaixo uma Abayomi vestida com malha adornada com estampa imitando pele felina e como blusa um tecido vindo da África do Sul em laranja vivo estampado com fotos das penas de pavão. Este Oxossi carrega seu arco de bambu e flechas com plumo de penas naturais. No centro pende tiras de tecido irregulares de fundo branco e flores vermelhas. Acima, à direita um conjunto de folhas artificias foram colocadas em verdes de diferentes tonalidades.



Ogum Onirê




Ogum  cortador de cabeça, ora repousando no fundos das águas recebe uma única Abayomi com roupas em azul profundo de capulana. A obra tem como base as pernas de uma tábua de passar roupa e a estrutura original foi mantida e toda ela encapada com malha lilás e roxa em diversas tonalidades. Sua posição vertical imita a pilastra onde está instalada com a Abayomi pendurada em um cordão com contas coloridas em azul, madeira natural e marrom, à guisa de móbile, quase fora da estrutura de madeira onde fica pendurado. Acima e ao fundo do Ogum há um grande laço roxo produzido com tecido fino e leve.



Opaxarô de Oxalá recebe Xaxará de Capanã




Esta obra foi produzida  usando-se como base uma cesta de frutas dupla em metal, de cabeça para baixo. A parte superior, acrescida à base de metal,  foi feita com uma tábua redonda em madeira pintada de branco e fixada na base com um pedaço de cabo de vassoura. Um tripé foi feito com ferro soldados para receber cartaz de propaganda e nele foi encaixado a parte superior da obra, toda base pintada de branco. A parte superior do Opaxarô recebeu um conjunto de Abayomis vestidas de Oxalá dependuradas em tiras de malha como se estiverem em um carrossel. Encimado no Opaxarô a pomba prateada em metal fundido, onde na borda há o acabamento com uma renda prateada sobre a qual foram aplicados um conjunto alternado de búzios nacionais e tento (olho de cabra).  O carrossel central recebeu Oxalás e Capanãs ou Obaluaê vestidos de cor branca com a cobertura de palha. O terceiro carrossel recebeu Capanãs dependurados na parte central da cesta emborcada. Entre o 2° e o 3° carrossel foi produzido um arremedo de Xaxará  recoberto de tecido de ráfia com búzios nacionais e africanos sobre uma cobertura de palha da costa que vaza pelo  eixo da ferramenta e cascateia em dois blocos até perto do chão. O  eixo superior e o inferior receberem um tecido bordado com lantejoulas prateadas amarrado com fitas de malha branca.



quinta-feira, 15 de outubro de 2020

África e Africanidades: Recket ou filosofia


REKHET OU FILOSOFIA: ESTÉTICA E LEGADO AFRICANO AO MUNDO DIASPÓRICO

 

Alves, Ivonete  Aparecida.

Mocambo APNs Nzinga; PPGE da FCT/UNESP de Presidente Prudente - CAPES

ivoneteambiente@gmail.com

 

PAIVA, Agnaldo. Júlio de

Mocambo APNs  Nzinga; Professor de Filosofia da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo

tio12ajp@gmail.com

 

 

6. Biopolítica, ética e diferença na educação

 

 

RESUMO

 

Este ensaio objetiva discutir as possíveis incursões da rekhet; termo egípcio que circunscreve o significado de ciência, sabedoria e filosofia; e algumas causas do desconhecimento ou boicote das escolas ocidentais que negam à África as origens do pensamento organizado. Este fato, no nosso entender, legitima os processos racistas e dificulta as lutas antirracistas que têm pautado as mudanças e permanências na educação nos últimos anos. Contra o racismo e a hierarquização cultural o quilombismo se instaura como lócus privilegiado de negociação a favor da vida.

 

Palavras-chave: Rekhet ou filosofia africana; diáspora africana; educação antirracista.

 

 

REKHET O FILOSOFÍA: ESTÉTICA Y LEGADO AFRICANO HASTA EL MUNDO DIASPÓRICO

 

 

6. Biopolítica, la ética y la diferencia en la educación

 

RESUMEN

 

Este artículo busca discutir las posibles incursiones de rekhet; término egipcio que circunscreve el significado de la ciencia, la sabiduría y la filosofía; y algunas de las causas de la ignorancia o de boicot por parte las escuelas occidentales que niegan a los orígenes africanos el pensamiento organizado. Esto, a nuestro juicio, legitima los procesos racistas y dificulta las luchas antirracistas que han guiado a los cambios y continuidades en la educación en los últimos años. Contra el racismo y la jerarquía cultural el quilombismo se establece como un lócus privilegiado de negociación a favor de la vida.

 

Palabras clave: Rekhet o filosofía africana; diáspora africana; educación antirracista.

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

Este artigo foi escrito entre os anos 2014 e 2015 para um evento que ocorreu na FCT/UNESP – Faculdade de Ciências e Filosofia da Universidade Estadual Paulista.  Trata-se do VI Simpósio em Educação e Filosofia que aconteceu de 08 a 11 de setembro de 2015. O fato é importante porque desde este período que as pesquisas sobre o legado africano puderam ser intensificadas com a publicação de muitos outros materiais que vieram colaborar para um arsenal de conhecimentos viessem para as publicações em português.

Obras de Cheikh Anta Diop foram traduzidas em grupos de pesquisas que tomaram em suas mãos a tarefa. A Coleção Sankofa já publicada, após 13 anos, em 2008 começa a ser reeditada. A primeira edição desta coleção foi publicada pela Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras – SEAFRO pelo Estado do Rio de Janeiro, dentro de uma proposta maior quer distribuiu livros para as escolas da rede estadual de ensino.

A reedição ficou a cargo Da Editora Selo Negro e contou com quatro volumes:  A Matriz Africana no mundo; Cultura em movimento: matrizes africanas e ativismo negro no Brasil; Guerreiras de natureza: mulher negra, religiosidade e ambiente e Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. A difusão destes e outros livros que discutem a afrocentridade e a valorização ca cultura afro-brasileira e africana, respaldada em legislações como a Lei 10.639/2003 (que tornou obrigatório o ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira no currículo escolar) ainda não reverberaram de forma eficiente em todos os níveis de ensino e assim, com um bloqueio construído através de séculos de uma educação propositalmente racista as identidades negras continuam sendo esfaceladas dentro de um processo oficial que não educa negres, só faz aumentar o fosso das diferenças de oportunidades de desenvolvimento das comunidades negras.

Por estas razões intelectuais negres assumiram os postos de protagonismos nos estudos africana e daí em diante, as instituições têm recebido uma pressão de dentro para incluir conteúdos que consigam arrebentar com a hegemonia da branquitude e seus lugares de privilégio. Escritos antes inconcebíveis de serem verbalizados estão disponíveis para quem puder estudar. Professores e professoras imbuídos na busca das verdades históricas foram revisar suas teses, seus artigos e suas formas de lidar com uma juventude crítica e falante. Várias manifestações, passeatas, encontros e eventos presenciais e virtuais foram aglutinando militantes improváveis, inclusive com diferenças conceituais conflitantes. Algumas causas precisam de massa na pressão. Muitas monografias, dissertações e teses foram em busca de temas que até então, não tinham orientações disponíveis. E o conflito aumentou. A incapacidade epistemológica de muita gente com os títulos de doutorado ficou flagrante. Como orientar o que nunca quiseram estudar? Aprendendo com quem veio depois.

Finalmente os Coletivos Negros intra-acadêmico construíram locus de estudo e trabalho para fazer o que muitos grupos de pesquisa, com financiamento públçco não fizeram, aboletados em seus lugares de privilégio. As Mais Velhas e os Mais Velhos; Agbás, Yalodés, Babalorixas e Yalorixás forampara as ruas, entraram nas universidades, voltaram a estudar e de “objetos de pesquisa”  passaram a coordenar discussões que as Universidades olviram realizar, mesmo aquelas que construíram oficialmente sues Núcleos especializados em História da África e estudos Afro-Asiáticos.

E a história avançou, como nunca antes neste país.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Devemos admitir que fizemos um acordo produtivo para escrevermos este trabalho. O “eu-mulher”, feminista antes, mulherista depois, “pau-pra-toda-obra, dominadora, barulhenta e ativa e o “eu-masculino”, filósofo, amável e às vezes birrento. O acordo vai além do relacionamento acadêmico porque temos um Programa de Ações, que vigoram no Mocambo Nzinga como um-lugar-de-vida-plena; comunidade inserida na periferia de Presidente Prudente/SP, onde trabalhamos e acolhemos as crianças do entorno. Comunidade que soube reivindicar seu direito à arte, à cultura e também de estar junto, até mesmo sentados no chão, onde ainda há chão de terra viva para sentar na sombra e ficar pensando.

Pensar é uma atividade (até onde sabemos) exclusivamente humana. Certo? Não? Acaso há alguém conhecido, filmado, que deixou escritos aqui na terra e que pudesse escrever, falar, contar histórias, enterrar seus mortos em covas ou mesmo carregar seus ossos em urnas (ou relicários) e que não fosse gente? Elefantes “choram” mesmo seus mortos ou somos nós que imputamos aos elefantes a capacidade de chorar seus mortos?

Parece que não foi somente na época da escravização que o povo preto teve seu status de humano retirado. O status de não-humano, de coisa, objeto de venda e troca espraiou-se pelas outras atividades dali em diante, sendo a cada etapa do desenvolvimento mundial, escalonado nas diversas partes do planeta, tendo os processos racistas ressignificados e transformados com mecanismos ora evidentes, ora subrreptícios (RAMOSE, 2011). Evidentemente que as escolas filosóficas ocidentais, que há séculos são governadas por homens, brancos, europeus e de seus descendentes é uma responsável competente por este fato… mas…

Eis que os pretos e pobres, porque são pretos, e as negras exploradas constantetemente, até as raias da loucura entram nas academias, pensando, refletindo sobres as ausências e boicotes arquitetados para eternizar um lugar-comum, um lugar para a não-gente-negra. Os questionamentos vão além da filosofia grega “plagiada” da filosofia africana, ou mais intensamente egípcia (JAMES, 2009; CARNEIRO, 2005).

As consequências de tão longo processo racista foram nefastas para negros e negras na atualidade, que necessitam resistir aos processos de tentativa de expulsão de toda reflexão que insista na existência do racismo institucional, enquanto engolem os conteúdos que tratam negras e negros como não-ser, como nos esclarece Sueli Carneiro:

 

A diáspora negra compartilha uma experiência histórica comum de escravização e de opressão racial; compartilha também um ethos cultural determinado pelas formas objetivas e subjetivas de resistência a essa opressão e, sobretudo, compartilha o desafio da emancipação coletiva em todas as sociedades do mundo onde são alocadas. Isso faz com que a cultura negra, onde quer que se manifeste, seja patrimônio dos negros de qualquer lugar. (CARNEIRO, 2005, p. 68-69)

 

Esta verdade sobre as organizações negras intra e extra-acadêmicas impõe uma nova forma de lidar com o conhecimento, onde planos epistemológicos até então renegados, entram na academia pela porta da frente, com as ferramentas que a modernidade nos legou, ainda que tenham sido conquistadas a partos com fórceps. A dor que esta alteração provoca imprimiu no conhecimento compartilhado uma marca indelével, que só pode ser superada na convivência que tenha na cosmovisão africana uma cama aconchegante. Não que os conflitos daí advindos desapareçam, o lugar de não-outro tentando empurrar o “eu-hegemônico”[1] do trono real ocidental será sempre, ainda e por muito tempo, a fumaça fugidia que lançarão mão contra negros e negras.

 

O CONTROLE DO CONHECIMENTO COMO ARMA IDEOLÓGICA HEGEMÔNICA NOS CURSOS DE FILOSOFIA

 

Em julho de 1950, durante uma viagem ao Brasil, Katherine Dunham foi barrada na recepção do Hotel Esplanada, em São Paulo, o mesmo que abrigou Claude Lévi-Strauss e sua mulher Dina Lévi-Strauss entre 1935-1936, enquanto o antropólogo lecionava na USP e Dina contribuia com as discussões sobre folclore nos projetos de Mário de Andrade. O episódio foi recebido com choque por ela e pelas autoridades brasileiras. (GOMES, 2013, p. 35)

 

Não precisa perguntar muito, mas a gente insiste nas questões[2]:

1.       “Como aprendeu filosofia no curso de filosofia?

Através de leituras de clássicos, lendo comentaristas de temas da filosofia, através de atividades práticas, produção de textos sobre os assuntos estudados, etc.

2.      Quais filósofos ficaram na sua memória do período da faculdade?

Os filósofos antigos: Platão, Sócrates, Aristóteles, Heráclito, Parmênides; os filósofos medievais: Santo Agostinho e São Thomas de Aquino; filósofos modernos: Renne Descartes, Maquiavel; filosófos contemporâneos: Hidegger, Jean Paul Sartre, Merleau-Ponty, Immanuel Kant, etc    .

3.      E agora no ensino médio, como é ensinar filosofia?

Basicamente a questão é auxiliar os alunos a desenvolverem a argumentação e a concatenação de ideias, fala-se em filósofos e temas, ou melhor, áreas da filosofia mais como contextualização do que um assunto a ser aprofundado.

4.      Se você tivesse estudado filosofia africana teria mais condições de lidar com o racismo dentro da escola?

Acredito que mais que estudar qualquer conteúdo escolar o importante seja entender o que é o racismo e quais as suas consequências, mas não tenho dúvida que o fato de se falar  muito pouco de filosofia fora do contexto europeu e norte-americano esteja dentro de nosso contexto eurocêntrico, assim como o fato de se questionar o fato de como surgiu a filosofia, se esta é um milagre grego ou não, ou outros filósofos fora do contexto eurocêntrico, ajudam a reforçar o racismo.

Portanto,  para mim o mais importante não é estudar filosofia africana, mais entender profundamente o racismo dentro da educação de uma maneira geral.

5.      Comente os trechos das frases incompletas:

a)... chegou no hotel e logo de cara foi discriminada…

No Brasil para alguns não existe racismo, mas pergunte para um negro como ele é tratado em locais públicos, quantos conhecidos já foram abordados de polícia, etc...

 

b)Ubuntu pode ser traduzido como “o que é comum a todas as pessoas”. A máxima zulu e xhosa, umuntu ngumuntu ngabantu (uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas) indica que um ser humano só se realiza quando humaniza outros seres humanos. A desumanização de outros seres humanos é um impedimento para o autoconhecimento e a capacidade de desfrutar de todas as nossas potencialidades humanas. O que significa que uma pessoa precisa estar inserida numa comunidade, trabalhando em prol de si e de outras pessoas. A ideia de ubuntu atravessa, constitui e regula inúmeras comunidades africanas bantufonas. É importante considerar a afrodiáspora.” (NOGUERA, 2012, P. 148)

 

O conhecimento africano é ignorado na faculdade, o máximo que pode acontecer é se estudar algum filósofo negro, só lendo Santo Agostinho.

Não há contribuição africana, não é difícil encontrar alguém formado em filosofia que não se lembre se discutiu se o Egito Antigo influenciou a filosofia grega ou não, se bem que para alguns intelectuais o Egito está na Europa.

c) A base da afrocentricidade… (NASCIMENTO, 2009)

Durante a graduação, o termo mais próximo disto que ouvi foi eurocentrismo, como uma crítica ao excesso de valorização da cultura europeia, se minha memória não me está pregando uma peça, estudei algo de filosofia latino americana, que durou trinta horas.

d) A  estética africana no cotidiano da escola… (PETIT & BATISTA, 2014)

No caso da estética se estudou como o europeu pensa a questão do belo.

Então eu questiono: como é que poderemos alterar a realidade dos cursos de Filosofia?

O lance, a sacada é pensar muito profundamente e agir à partir dos referenciais que não só são diferentes do pensamento ocidental, como são conflitantes com ele. Voltar os olhos e todo o corpo para a filosofia africana e mergulhar em outra cosmovisão de mundo, que não negue o corpo no território, com todas as suas necessidades fisiológicas, espirituais, vivenciais…

Recordo-me de um colega de classe, filósofo e professor, que narrou a história de uma aluna sua cumprindo medida socioeducativa (ou seja: presa) quando afirmou ter entendido os princípios éticos que deveriam influenciar as decisões sobre roubar ou não, matar ou não, assaltar ou não, usar drogas ou não! No entanto, a garota optou por confessar que faria tudo outra vez ao sair da instituição.

Ainda que a teoria seja fundamental para avançar na organização da vida coletiva, e até mesmo nas tomadas de decisões, apartar o pensamento, a reflexão do corpo e seu território, para realizar um exercício intelectual, ainda que importante, é ensino frouxo!

Agora, afirmar que é possível, na atualidade, revolucionar a sociedade, com as estruturas objetivas que estão dadas, também é irresponsabilidade. O caminho que optamos na cosmovisão africana, que às vezes, me parece bastante acovardado, é resistir construindo outras possibilidades de conhecer e viver nesse mundo objetivo. Filosofando, porque a pele negra nunca foi impeditivo para tal. A negação dessa capacidade veio de fora da África. O racismo é componente intenso e forte na filosofia divulgada como universal e que abarca uma parcela pequena do mundo, considerando que a diáspora negra, só no Brasil representa mais da metade da população.

 

ENSINO DE FILOSOFIA NO CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO – BREVES NOTAS

 

Com base na dissertação de Maria Helena Masullo O componente curricular filosofia e seus professores no ensino médio da rede estadual de educação de São Paulo, defendida em 2012 e no artigo de Luiz Gustavo do Jornal Brasil de Fato, registramos que a obrigatoriedade das disciplinas filosofia e sociologia no currículo do ensino médio é resultado de intensos e longos embates. Até a década de 1970, a sociologia e a filosofia integravam, como outras disciplinas quaisquer, o currículo escolar da educação brasileira. Durante a ditadura militar, foram excluídos da grade curricular, substituídas por pela Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB). Tais disciplinas assumiam um caráter panfletário pró-ditadura, eliminando estrategicamente todo o caráter crítico e reflexivo da filosofia e da sociologia.

Em 2008, a Lei nº 11.684 foi sancionada em junho, pelo então vice-presidente em exercício José Alencar, e as disciplinas foram novamente incluídas no currículo formal do ensino médio. Desde então, o estado de São Paulo tem tolerado estas disciplinas no currículo, vez ou outra ameaçando retirá-las, com base nas avaliações oficiais e nas notas dos estudantes. Filosofia e Sociologia “tomam” o lugar de outras disciplinas, consideradas de base como Português e Matemática. A APEOESP – Associação do Professorado Paulista e os grupos de trabalho dentro e fora da rede estadual de ensino buscam de todas as formas qualificar não só a defesa dessas disciplinas, como também o conteúdo que elas portam, significativos e fundamentais para uma formação crítica.

 

O LEGADO AFRICANO AO MUNDO DIASPÓRICO: POLÍTICA DE INOVAÇÃO, DESEJO SUSTENTADO PELA PRÁXIS, COSMOVISÃO AFRICANA

 

Okonkwo era um guerreiro temido de Umuófia, um homem destinado a grandes feitos. Agricultor dedicado, possuía uma grande plantação de inhame. Desposara três mulheres e tinha filhos com todas elas. Destacara-se nos festejos que envolviam competição e lutas. Aos trinta anos era um dos maiores homens de seu tempo: recebera dois dos quatro títulos de distinção do clã. Em cerimônias organizadas para deliberar sobre questões conjungais e de terra, ele era um dos espíritos mascarados que assumiam o lugar dos antepassados. Quando uma das mulheres de Umuófia pedeu a vida, foi ele o encarregado de tratar das compensações pelo crime.

Apesar da grande bravura e da distinção de caráter, Okonkwo passa a enfrentar dificuldades para lidar com sua personalidade intempestiva e com seu apreço inabalável pela tradição. Durante o período de paz, na época do Festival do Novo Inhame, dispara contra uma de suas mulheres. Depois, um acidente do destino o faz cair em desgraça.

O voloroso guerreiro se vê forçado a um exílio de sete anos. Okonkowo vai morar na aldeia onde vive a família de sua mãe. O período de desterro coincide com a chegada dos missionários britânicos, que trazem novos valores a uma sociedade assentada sobre costumes arcaicos.

Não é apenas o mundo de Okonkwo que se despedaça, mas todo um universo de tradições que se vê acossado por uma religião que admite um único Deus, por uma nova forma de governo e por instituições reguladoras estranhas ao clã, como a escola e a polícia.

Os estertores da cultura tradicional coincidem com o alvorecer de uma nova forma de vida, em que colonizadores brancos seduzem e desorientam os nativos. A sociedade pós-colonial que se anuncia vai sobreviver apoiada em novas bases – pouco harmoniosas, muitas vezes aterrorizantes, é verdade, mas nem sempre mais opressivas que antes desse monumental choque de culturas (ACHEBE, 2009, contra-capa).

 

O livro de Chinua Ashebe[3] O mundo se despedaça teve sua  Introdução pelo ex-embaixador brasileiro Alberto da Costa e Silva e a tradução de Vera Queiroz da Costa e Silva. Escolhemos este trecho da obra, para refletirmos sobre o impacto que a civilizações ocidentais produziram nas culturas africanas, que foi o processo de escravização (desde as emboscadas para capturas de nosso povo até os dias atuais, onde o processo de escravização de nossos corpos se transvestiram em escravização cultural; ou alvo das batidas policiais). É do lugar de escravizada, com um nome de escrava que escrevi esta reflexão.

Ao nos reunirmos para conversar sobre nosso trabalho no Mocambo e no Movimento Negro em geral, a África e seus povos, repletos de processos culturais diferenciados vêm à tona e então, um pouco da nossa experiência no resgate histórico de algumas diferenças podem colaborar para desvelar o quanto a negação de uma realidade cultural pode perdurar, através da xenofobia e do racismo perpetuado nas ações contra os afro-brasileiros (as) na diáspora.

Diante da reprodução quase ingênua da arte tradicional, nós sabemos que algo vaza, que nos falta a vivências dentro dos ambientes ancestrais que permitiam elos concêntricos entre nós, os ancestrais e nosso futuro comum. Diante disso, podemos reviver e acalentar o real dentro de um universo imaginário e rico de possibilidades, que o processo escravizatório nos tirou.

Sartre no prefácio da edição de 1961 de Os condenados da Terra de Franz Fanon demonstra o desejo de redenção diante do processo escravizatório, cheio porém do pessimismo da situação:

 

O questionamento do mundo pelo colonizado não é um confronto racional dos pontos de vista. Não é um discurso sobre o universal, mas a afirmação passional de uma originalidade apresentada como absoluta. O mundo colonial é um mundo maniqueísta. Não basta o colono limitar fisicamente, isto é, com seus policiais e guardas, o espaço do colonizado. Como que para ilustrar o caráter totalitário da exploração colonial, o colono faz do colonizado uma espécie de quintenssência do mal. A sociedade colonizada não é apenas descrita como uma sociedade sem valores. Não basta ao colono afirmar que os valores desertaram, ou melhor, nunca habitaram, o mundo colonizado. O indígena é declarado impermeável à ética. Ausência de valores, e também negação de valores. Ele é, ousemos dizer, o inimigo dos valores. Nesse sentido, ele é o mal absoluto. (SARTRE, 2005, p. 57-58).

 

Diante da constatação de que este processo de colonização foi absorvido para os processos de racismo institucional, há um lugar para o não-ser, que necessita rever suas certezas epistemológicas e emergir como uma pupa no casulo para aprender uma história que refaça as possibilidades para o ser do povo negro. Agora negro, porque miscigenado. Ainda preto, porque a branquitude não é branca.

Mas este aprendizado não possui receita pronta. No máximo existem Diretrizes Curriculares (BRASIL/MEC/SECADI, 2006) e a Lei 10.639/2003 que tornou obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira no currículo escolar. Assim sendo, a experimentação responsável e sua análise sistematizada, colocando as ações dos coletivos afrodescendentes e afrocentrados é que pode inaugurar uma nova fase de trabalho que respeite nossa origem comum, como negras e negros na diáspora. Fanon arquitetou em sua obra, uma possível revolução da negritude mundial. Escreveu em Os condenados da terra (2005), como poderíamos nos unir para realizar o processo revolucionário mundial, não imitando, mas usufruindo do legado marxista e de pequenas, árduas, mortais revoluções espalhadas pelo mundo.

No seu encalço, Carlos Moore ousou desafiar o regime cubano e pôs o dedo na cara de Fidel Castro acusando-o de racista por ter encerrado as atividades das mais de 500 organizações negro-cubanas, nos anos 1960 (MOORE & CÉSARE, 2010; MOORE, 2010).

Nós no Movimento Negro na diáspora temos discutindo as possibilidades de um processo revolucionário, e o máximo que concordamos é que temos que questionar e por em check as “verdades estabelecidas” pelos vários campos dos estudos ocidentais e ocidentalizados, mostrando ao mundo (incluindo o acadêmico) novas formas de lidar com o passado, o presente e o futuro, que na cosmovisão africana é uno e não separado em três etapas.

O que nos anima, provavelmente mais que as teorias e práticas que adotamos, estudamos e vivenciamos, é o encontro. Um encontro possível, animado, ao redor de símbolos, máscaras, objetos cujo sentido original ficou perdido nos elos partidos pelos navios negreiros. Mas estão ressignificados, ganham vida e cores novas. As ervas cultivadas para os chás, rezas e trabalhos nas esquinas das cidades ou encruzilhadas das áreas rurais compõem novos cenários, dentro de uma economia capitalista, monopolista, inovadoramente escravizadora de corpos e espíritos. No entanto, por razões que intuímos fugazmente, sabemos que existem outras formas de lidar com o conhecimento.

Em suma, mesmo que estudemos cada vez mais nosso passado comum, na negritude atual, há tantos conflitos como os que Okonkwo enfrentou e deles fugiu como um covarde. Talvez Chinue Achebe renda a ele o tributo que optou por não usar, com seu corpo já velho. Chinue Achebe matou seu heroi através de um suicídio, ferozmente condenado pelos anciões da aldeia onde Okonkwo tinha até então, sobrevivido. Negres no Brasil são convencidos que precisam assassinar sua negritude quando na verdade, a sobrevivência é a mais preciosa lição que podemos legar ao mundo.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS OU INICIAIS

 

Como africanos e africanas da diáspora e na diáspora, ainda que falando do lugar de escravizadas e escravizados, temos insistido que existem várias alternativas para diminuir o racismo e o sexismo no mundo moderno. Para além de nossa insistência, imprimimos, materialmente, novas formas de lidar com o conhecimento, vivenciando estes processos dentro e fora dos limites do Mocambo. A garrafa de chá ou café sobre a mesa, ou em qualquer roda de conversa, é muito mais que um convite à degustação. De fato, inova maneiras africanas de lidar com o conhecimento, de corpo pleno, inteiro, respeitado, na possibilidade de conhecer, respeitando o corpo e sua ancestralidade.

O movimento Rasta por volta de 1980 deu uma enorme contribuição para a recuperação do legado africano, buscando compartilhar o livro de George James – Legado Roubado – a filosofia grega roubada da filosofia egípcia (tradução nossa)[4]. Até a atualidade, mesmo sendo um material importantíssimo, não temos acesso à tradução inteira desse material, que vamos traduzindo aos poucos em encontros de estudo. Muitos de nós sabíamos ou desconfiávamos, através da leitura dos livros de Elikia M`Bakolo e sua História da África Negra; Nkolo Foé, Bast´lele Malomalo, além de sites que tratam do feminismo negro, onde há citações sobre este livro de James.

George James incursionou por várias etapas da filosofia africana e registrou estes fatos em seus materiais de estudo. Professor na Universidade de Arkansas, nos EUA, James publicou seu livro em 1945, em Nova Yorque. Já no capítulo 1 ele denomina-o com a afirmação “[5]A filosofia grega é o roubo da filosofia egípcia” e continua seu escrito devastador até o capítulo 9 com o título “Reforma social através da nova filosofia africana redendora” (tradução nossa). Este livro foi escrito para pessoas leigas, ou não estudiosas profissionais. Seu trabalho foi recebido com entusiasmo nos meios acadêmicos, onde o Movimento Negro já estava instaurado, mas com ataques certeiros em outros locais. O professor James foi perseguido e teve seu trabalho atacado dentro dos EUA, sendo relegado aos guetos, ou aos mocambos onde é respeitado como um iniciador dos questionamentos na área da filosofia africana. Em Arkansas onde escreveu Legado Roubado não existe nenhuma cópia de seu livro, diploma ou menção da passagem do professor por lá. Logo após a publicação de Legado Roubado George James foi assassinado.

 Anos depois de seu material vir a público, Cheik Anta Diop[6] também fez um estrago nas “verdades” apregoadas ao longo dos séculos sobre o nascimento e a ciência supostamente da Grécia antiga. Cheik Anta Diop juntou aos seus estudos as análises através da física, química e antropologia.

Coroando a reconstituição de nossa história milenar, ao publicar os 8 volumes da História da África, a UNESCO colaborou para que houvesse uma organização de várias civilizações negro-africanas, validando as pesquisas de George James e as publicações de Cheik Anta Diop, que ainda estão sem tradução para o português, exigindo para nossos estudos, traduções  do françês para o português.

A Representação da UNESCO no Brasil e o Ministério da Educação lançaram  a coleção História da África, que abarca desde a pré-história do continente africano até sua história recente. A Coleção descortinou um amplo leque de pesquisas, pois abriu fronteiras para novas inquietações, que exigem especialistas sobre as civilizações africanas, tanto as extintas como novas reoordenações, já que os milhares de grupos ou nações africanas compõem muitas maneiras de viver nas terras africanas e depois na diáspora negra.

A apresentação da Coleção, quando lançada em português no Brasil, foi escrita por Vincent Defourny – então  Representante da UNESCO no Brasil  e por Fernando Haddad, que na época era  Ministro de Estado da Educação do Brasil:

 

A publicação da Coleção da História Geral da África em português é também resultado do compromisso de ambas as instituições em combater todas as formas de desigualdades, conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), especialmente no sentido de contribuir para a prevenção e eliminação de todas as formas de manifestação de discriminação étnica e racial, conforme estabelecido na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1965. Para o Brasil, que vem fortalecendo as relações diplomáticas, a cooperação econô- mica e o intercâmbio cultural com aquele continente, essa iniciativa é mais um passo importante para a consolidação da nova agenda política. A crescente aproximação com os países da África se reflete internamente na crescente valorização do papel do negro na sociedade brasileira e na denúncia das diversas formas de racismo. O enfrentamento da desigualdade entre brancos e negros no país e a educação para as relações étnicas e raciais ganhou maior relevância com a Constituição de 1988. O reconhecimento da prática do racismo como crime é uma das expressões da decisão da sociedade brasileira de superar a herança persistente da escravidão. Recentemente, o sistema educacional recebeu a responsabilidade de promover a valorização da contribuição africana quando, por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) e com a aprovação da Lei 10.639 de 2003, tornou-se obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira no currículo da educação básica. Essa Lei é um marco histórico para a educação e a sociedade brasileira por criar, via currículo escolar, um espaço de diálogo e de aprendizagem visando estimular o conhecimento sobre a história e cultura da África e dos africanos, a história e cultura dos negros no Brasil e as contribuições na formação da sociedade brasileira nas suas diferentes áreas: social, econômica e política. Colabora, nessa direção, para dar acesso a negros e não negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenças socioculturais presentes na formação do país. Mais ainda, contribui para o processo de conhecimento, reconhecimento e valorização da diversidade étnica e racial brasileira. Nessa perspectiva, a UNESCO e o Ministério da Educação acreditam que esta publicação estimulará o necessário avanço e aprofundamento de estudos, debates e pesquisas sobre a temática, bem como a elaboração de materiais pedagógicos que subsidiem a formação inicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos. Objetivam assim com esta edição em português da História Geral da África contribuir para uma efetiva educação das relações étnicas e raciais no país, conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educação.” Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano”.(KI-ZERBO, 2010, p VII-VIII)

 

No Mocambo temos esta coleção em papel, reconhecimento da Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura, pelo trabalho que realizamos na cidade e região. Várias outras instituições que trabalham com cultura afro-brasileira, pelo país também foram contempladas com esta coleção.

Ainda que existam poucos espaços onde possamos vivenciar a rekhet, estamos atentas, com uma nova forma de encarar o conhecimento espraiada pelos locais onde exista um núcleo da diáspora negro-africana. Mas há sempre os ouvidos moucos e os olhos cegos, que insistem em relegar ao ostracismo o conhecimento que portamos e também, o conhecimento que o mundo africano legou aos povos da Terra. Não é brincadeira deturpar a geografia para retirar o Egito do continente africano. É uma manobra racista de intensa repercussão mundial. Não importa a nomeação que foi dada a este processo: foi racismo, é racismo e precisa ser combatido com as armas que possuímos nos estudos realizados: as armas do conhecimento.

 

Akoko nan – akoko nan tiaba na ekum ba

 A galinha pisa nos pintos, mas não os machuca.

Símbolo adinkra da proteção materna e paterna e da disciplina temperada com paciência, compaixão e carinho. (NASCIMENTO & GÁ, 2009, p. 44-45)

 

 

 

 

 

 BIBLIOGRAFIA

 

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SATRE, Jean Paul & FANON, Franz.  Prefácio à edição de 1961 de  Os condenados da terra. Tradução de Enilce Albergaria Rocha e Lucy Magalhães. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005.



[1] “Falarei do lugar de escrava. Do lugar dos excluídos da res(pública).  Daqueles que na condição de não-cidadãos estavam destituídos do direito a educação e, em sendo esta, segundo Adorno, a possibilidade de ‘produção de uma consciência verdadeira’, falo também como alguém portador de uma consciência infeliz” ou de uma falsa consciência. Dirijo-me a ti Eu hegemônico, falando do lugar do “paradigma do Outro”, consciente de que é nele que estou inscrita e que “graças” a ele em relação a mim, expectativas se criaram, que mesmo tentando negá-las, elas podem se realizar posto que me encontro condicionada por uma “unidade histórica e pedagogicamente anterior” da qual eu seria uma aplicação.” Introdução da tese de Sueli Aparecida Carneiro, p. 20.

[2] Nota da autora 1: Preparei um questionário para que o Professor Agnaldo respondesse. Conversamos sobre Filosofia Africana já há alguns anos. Diante de sua postura cética, eu insisto em dar de presente a ele textos já impressos sobre a temática. Quis também  tentar avaliar um pressuposto: “que um processo mais informal de aprendizagem dificulta ensinar sobre um tema relegado às favelas, antigas senzalas”. Na verdade, este é mais um diagnóstico do intenso e enorme trabalho que temos diante de uma discussão mais aprofundada. Quanto à identificação do racismo já existe uma compreensão da necessidade do trabalho, mas compartilhar o lugar do mestre (masculino, ocidental, branco, homofóbico, machista, sexista e preconceituoso)  há um longo processo de trabalho. Esta constatação, profundamente amorosa, serve também para outros filósofos  que conheço e com os quais convivo.

[3]  Chinua Achebe nasceu em Ogidi, Nigéria, em 1930. Um dos mais respeitados escritores africanos da atualidade, é romancista, poeta e ensaista. Este seu romance é de 1958 e já foi traduzido para mais de 40 línguas.

[4] Em 2020 recebemos o livro no grupo do Coletivo Mãos Negras, inteiro traduzido para o português. Ainda é uma edição não oficial.

[5] Texto original: Chapter I: Greek Philosophy is stolen Egyptian philosophy. Chapter IX Social reformation though the new philosophy of african redemption.(JAMES, 2009, p. 2-4)

[6] Cheikh Anta Diop, nascido em 29 de dezembro de 1923 em Thieytou, falecido em 7 de fevereiro de 1986 em Dakar, foi um historiador e antropólogo senegalês. Em seus estudos, ela  enfatizou a contribuição da África e, em particular, da África negra, à cultura e à civilização mundiais. Hoje suas teses são contestadas e pouco retomadas na comunidade científica ocidental, como acontece com todas as pessoas negras que ousam contestar o lugar no pedestal que a cultura hegemônica impôs aos estudos acadêmicos. Carlos Moore, cubano de nascença, exilado de seu país por contestar Fidel e sua política, entrevistou Diop antes de sua morte, publicando a gênese e alguns apontamentos do pesquisador senegalês.


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Arte e estética no Mocambo Nzinga

As fotos, imagens da vida organizada e preparada para ser bela nem sempre é acessível para as mulheres negras e suas crianças. Então fizemos das sessões de estética uma forma de valorizar a beleza negra.
Crianças do Mocambo em uma universidade prudentina

sessão de fotos: Amanda por André Aoki

 

Arte Malunga - Exposição de obras de artes afro – Instalações

Artista responsável: Ivonete Aparecida Alves

Produção cultural: Fabiana Alves

 

Histórico

 

Esta Exposição foi planejada há mais de 4 anos e sua execução começou efetivamente em 2018, com o trabalho intenso na produção de abayomis, para servir como componente na execução das obras de arte.

As obras foram pensadas para respeitar alguns princípios.

 

Princípios

 

Com base na arte ancestral africana e afro-brasileira, as obras foram planejadas para valorizar artistas do Brasil e da diáspora africana, que produziram obras de arte destacando os princípios da afrocentricidade: cultura, religiosidade, ancestralidade, respeito aos elementos da natureza, respeito aos mais velhos e aos mais novos.

Também possui a tônica do reaproveitamento e da reciclagem de matérias. A lógica na observação destes princípios deve-se ao fato da situação de espoliação social que nós, negras e negros sofremos ao longo de décadas, financiando nossas ações e na maioria das vezes tendo nossas manifestações culturais sendo roubadas furtivamente ou mesmo declaradamente, dificultando que o povo negro tenha acesso aos bens culturais de matriz africana e afro-brasileira.

Todo respeito aos povos da terra brasilis, a quem pedimos agô por permitir que o povo negro tenha conseguindo sobreviver aos muitos genocídios aos quais fomos submetidos ao longo dos séculos de escravização.

 

Arte malunga: quem veio antes de nós

 

Inspiração:

Mama Esther Mahlangu – África do Sul (Ndebele)

Mama Esther Mahlangu tem agora mais de 80 anos, ainda produzindo arte Ndebele. Ela enfrentou o regime do apartheid na África do Sul produzindo arte de protesto em capacetes de soldados que tinham morrido no enfrentamento ao cruel sistema sul-africano. Cruel, mas que pôde ser enfrentado porque foi um regime racista declarado, muito diferente do racismo esquisito que existe no Brasil.

Mama Esther reproduz em telas, carros, murais traços geométricos com cores onde se sobressai o azul cobalto, talvez recordação ancestral do lápis-lâzule egpcío. Cores vivas de alto contraste com divisórias em preto, branco e várias formas geométricas encontram caminhos paralelos, por vezes querendo saltar dos suportes onde são desenhadas a mão, sem o uso de nenhum instrumento para medir ou servir como base para os desenhos.

As meninas Ndebele precisam aprender a pintar para serem consideradas mulheres. E aprendem com suas mais velhas a preciosa técnica feminina que passa para outras mais novas. É um exemplo afrocentrado e feminista: as mulheres artistas conseguem sua sobrevivência e respeito. Antes, uma conquista ritualística que declaram publicamente sua boa preparação para o casamento. Agora, uma possibilidade de escolha. Fama. Poder político com base em uma tradição viva.

 http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=128&evento=1


Inspiração

El Anatsui – Gana

O ganense El Anatsui iniciou suas pesquisas na produção de arte com base nos símbolos adinkras. Depois de um tempo ele foi em busca das latinhas e com elas começou a produzir peças batidas unidas por pedaços de arame. As latinhas são cortadas em vários formatos. Milhares de pedaços juntam-se na formação de  paineis dos mais variados tamanhos. As latas transformam-se em bagagens, em seres que serpenteam pelo chão, símbolos transformados em tudo.

 https://www.geledes.org.br/a-genial-arte-de-el-anatsui-a-alma-escultorica-da-africa-atemporal/



Artur Bispo do Rosário - Brasil

Um dia Bispo apareceu no mundo. E crescendo foi mudando e mudado o mundo ao seu entorno. Apareceu em Japaratuba, no estado de Aracaju. Região cheia de negres, repleta do mundo indígena, com festejos católicos e sincréticos. Festa pra tudo que é santo.

Viveu, fez arte e foi contar seus feitos na Igreja. Feitos de marinheiro, pugilista que foi parar na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá – fim da linha para os alienados. Bispo escapavapara bordar seu manto na casa dos ex-patrões: os Leone, onde no quartinho dos fundos começou a bordar seu Manto: afinal era o escolhido de Deus para colocar ordem na Terra.

A colônia Juliano Moreira não fornecia nenhum material para terapia ou produção de arte. Até 1970 Bispo teve que dar seus pulos para conseguir linha, tinta, agulha e aí criou sua arte com os materiais que encontrou: canecas, botas, bacias, desfiava roupas, lençóis e cortinas, obtendo um resultado estético de beleza e encanto.

 https://pt.wikipedia.org/wiki/Bispo_do_Ros%C3%A1rio


Inspiração

Sônia Gomes e seus patuás

Nascida em Caetanópolisem Minas Gerais herdou da cidade de tradição nas tecelagens insdustriais, os materais para compor sua história com as obras em tecidos. Remenda, emenda, costura, borda, tira e acrescenta, torce, retorce e junta materiais que compõem uma estética profundamente diferenciada.

Há telas em arame que desorganizam os patuás gigantes. Há blocos desenhados, bordados, coloridos e partes de roupas que se mostram e outras que escondem o que foram. Agora são outra coisa. Combinam com paredes, com o ar livre, plantas, bichos e montanhas. Foi olhando atentamente a obra de Sônia, lendo sobre sua vida que pude absorver um pouco do que ela produz.

 https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B4nia_Gomes


 

Lena Martins e as abayomis

A primeira vez que vi uma boneca abayomi sendo confeccionada foi no COPENE – Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negres em Florianópolis, em 2012, por uma quilombola que participou do evento.

Sua destreza em cortar os tecidos e dar nós nas bonecas me deixou intrigada. Eu também levei as nossas bonecas Nzinga para comercializar no encontro.

Muitos anos depois é que fui pesquisar sobre as origens da boneca abayomis: uma romanceada e outra que parte de Lena Martins, criadora da Cooperativa Abayomis e responsável por difundir a estética negra que veio através de suas mãos.

Acompanhei um pouco da polêmica sobre as histórias ajudei a inflamar as discussões publicando uma versão delas na abertura da minha dissertação de mestrado.

A decisão de montar uma ocupação cultural com as abayomis foi se constituindo aos poucos, com a junção de outras pretas ao trabalho no Mocambo. Minha meta de produção foi organizada para a produção de 500 abayomis em um mês. Isto para poder desafiar as outras malungas a produzir 100 e depois 200 abayomis no mês. A fartura de retalhos e as muitas possibilidades na produção é um tributo de muitas outras mulheres negras ao recebimento da graça de ter escolhido Lena Martins para legar ao Brasil a confecção e escolha do nome africano para a boneca.

A origem mais conhecida é do Yorubá (encontro precioso); quando é nome (aquele que traz felicidade) pode ser dado tanto para meninos como para meninas.

Leia mais sobre Lena Martins:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Abayomi


E assista sua entrevista:

https://www.youtube.com/watch?v=8SSuiP48dYg

https://www.youtube.com/watch?v=kFHP0qDs0wg


Pesquisando várias bonecas confeccionadas e outras materializadas aqui no Brasil, eu também fui refazendo várias bonecas e bonecas ancestrais ocorrem para nossas mãos. Somos intermediárias entre projetos e realidade, entre os sonhos de produção que um dia existiu e o que é possível materializar com nossas mãos.




Nesta imagem há bonecas fabricadas por muitas mãos. algumas foram produzidas por mim. O papel que está ao fundo foi reciclado e com fibras naturais, pétalas e o papiro foi aplicado depois.


já abaixo tem dois exemplos de bonecas feitas em Gana, que minha amiga Lia trouxe da Espanha para mim.


Quem foi que confeccionou estas bonecas? Quem criou a estética? de onde veio o uso das fibras de bananeira? é possível patentear uma arte como esta?






terça-feira, 29 de setembro de 2020

MAP – Museu Afro-Periférico

 

                        

A ideia do Museu Afro-Periférico surgiu com a nossa produtora cultural Fabiana Alves em abril de 2020, depois de gravarmos um documentário sobre as ações do Mocambo APNs Nzinga Afrobrasil – Arte – Educação – Cultura, que sempre estiveram interligadas com meu trabalho como artista plástica e também com as pesquisas científicas nas questões étnicas e raciais que fui desenvolvendo ao longos dos anos em Presidente Prudente/SP.

Estas ações de militância no movimento negro como sujeito são frutos também das ações dos APNs – Agentes de Pastoral Negres, entidade nacional (Quilombo Central) e estadual (Quilombo Paulista) com vários Mocambos espalhados. É importante salientar que os Mocambos possuem especificidades: uns priorizam as formações continuadas, outros estão ligados aos Terreiros de Candomblés ou Umbanda, muitos ainda estão muito próximos da Igreja Católica onde vicejaram, mesmo tendo a entidade nacional se desvinculado oficialmente das Pastorais do Negro  já na década de 1990.

A ênfase na história dos APNs está em concordarmos com seu mote desde a fundação:   “Conscientização – Organização – Fé e Luta”, princípios que o Mocambo APNs Nzinga respeita e busca valorizar, principalmente com a arte negra africana e afro-diaspórica.

Sem a existência de todo este trabalho anterior seria impossível chegar hoje no estágio de planejar e executar a parte material, física do Museu Afro-Perifpérico, com as ações organizadas na Exposição Arte Malunga que estará ocupando os muros e telhados das casas de nossas malungas, com sede  no Mocambo Nzinga.

Estas atividades precisam de colaboração para que possam garantir obras de arte que impactem positivamente a comunidade negra daqui e colabore para criar um campo de ação para nossas malungas que já trabalham a tanto tempo, sem ter conseguido ainda um reconhecimento de suas ações.

Meu trabalho como artista plástica também não recebeu ainda o devido respeito, mesmo sendo um trabalho já premiado em ações anteriores.

Assista ao vídeo que inspirou a criação do Museu:

           https://www.youtube.com/watch?v=kNY8v85HEJU&app=desktop

 

 



foto: Agnaldo Júlio