quarta-feira, 31 de março de 2021

 

ARTE MALUNGA: sustentação ideológica e financeira

Ivonete Aparecida Alves  - Agbá do Mocambo Nzinga

 

... A perversidade do caso brasileiro

 

Na minha infância urbano rural, eu ficava dias desolada olhando a pobreza da nossa casa. Trabalhávamos muito, eu e minhas irmãs desde muito pequenas. A casa literalmente caindo aos pedaços não tinha luz elétrica, o forno do fogão não funcionava e o fogão a lenha ardia os olhos da gente quando a gente assoprava para avivar o fogo. Então a parte boa era o quintal de casa, repleto de frutas nas árvores.

Criei corpo em cima das árvores. O pé de goiaba tinha galhos grossos e comportava meu peso muito bem. As ameixeiras amarelas permitia que eu passasse de uma árvore para outra, sem ter que descer no chão.

Eu queria ter coisas além daquelas que matavam minha fome de comida. Queria poder usar uma roupa que não tivesse sido de muitas outras pessoas antes de mim. Um sutiã com elástico que prestasse e não fosse preciso dar tantos nós para ficar firme. E ainda recebia um monte de críticas porque o sutiã cheio de nós aparecia por debaixo da blusa.

Cresci sem poder solucionar a pobreza material nossa. A busca pelo trabalho foi outra luta enorme, pois uma menina preta que tinha estudado não faz diferença alguma numa comunidade pobre, sem os “quem indica”. Os dedos miraculosos que mantiveram a ideologia escravocrata.

Foi preciso aprender: nós pretas por nós mesmas. O desejo que algumas pessoas manifestavam para tentar entender nossa causa era pura falsidade. É um desejo para dirimir a culpa. Como continuar criando histórias falsas sobre nossa preguiça, nossa indolência se testemunham quem trabalha duro e ainda assim chafurda na pobreza?

Mas demorei algumas décadas para deixar de dar importância para as ausências. O que importa é a presença: a presença da sabedoria dos matos e ervas; a sabedoria da transformação do lixo em arte; a sabedoria sobre as técnicas no uso de elementos da natureza; a sabedoria da cura do corpo e do espírito.

Economia de recurso. Economizar roupas usando roupas já usadas. Economizar água. Reter a umidade na terra. Usar os tijolos desprezados, cultivar os terrenos desprezados. Plantar e colher o de comer. Fazer sombra ao invés de climatizar artificialmente. Deixar o sol entrar, ao invés de ligar a lâmpada. Afinal cresci sem ter luz elétrica em casa.

 

 

ARTE MALUNGA com despojos

Despojaram uma grade na caçamba. Obra de arte. Despojaram um arco com uma base sintética. Obra de arte. Despojaram uma tela enferrujada: base para outra obra de arte.

Mas o estudo com as tinturas naturais esteve na base das produções com adinkras. Foi muito difícil estudar as maneiras de usar a simbologia adinkra, respeitando toda uma história desta simbologia.

Então usei urucum. Usei açafrão e tintura de angico. Terra roxa de Iepê.

 

 COMPOSIÇÃO DAS PINTURAS DE ADINKRAS AQUI ILUSTRADAS


OS SÍMBOLOS ADINKRAS FORAM DESENHADOS COM TINTA NANQUIM NATURAL PRETA


Açafrão

Pode ser o açafrão já em pó ou os tubérculos.

Os tubérculos devem ser batidos no liquidificador com um pouco de água. Coe e teste na folha. Eu consigo um pouco mais de cor deixando o pó no álcool, que também é conservante.

O açafrão moído também serve para tingir tecidos de algodão, mediante processo de fervura.


 Adinkras sobre papel Fabriano coloridos com açafrão

 

Sankofa                       Epa



Terra

Dissolva a terra na água e teste a cor e textura que deseja. Coloque um pouquinho de cola de boa qualidade para evitar que a terra solte da folha.

  Adinkras sobre papel Fabriano

OWo foro adobe - a cobra sobe a palmeira ráfia


Urucum

Deixei as sementes de urucum no álcool por algum tempo. Na hora de aplicar a tintura no papel, eu usei também algumas sementes para conseguir uma coloração mais intensa no papel.

  Adinkras sobre papel Fabriano

 

                             Adinkra Okodee Mmowere: As garras da águia, símbolo da força, da coragem e do poder, baseado na natureza e no comportamento da águia.



Adinkra Odenkyem - Símbolo da ética e da prudência

Cascas de beterraba



Usei as cascas de uma porção que cozinhei para a salada de beterraba. Amassei, apliquei com o pincel e depois fui colocando uns pedacinhos da casca para conseguir um tom mais forte em alguns trechos do papel Fabriano. Quando seca, a cor vibrante vai embora ficando um roxo bem esmaecido.


Angico

A casca de angico é excelente para tirar a dor(faz tintura com as cascas

Aqui fervi as cascas para amolecer, depois deixei no álcool e coloquei na geladeira para evitar decomposição. Usei a tintura aplicada na folha de papel Fabriano, gramatura 180 e 200. 

 Adinkras sobre papel Fabriano



Sankofas erm suas 4 apresentações: Nunca é tarde para voltar e apanhar o que ficou para trás. Símbolo da sabedoria de aprender com o passado para construir o futuro.

                                   

      Adinkras: Rei dos Adinkras



Adinkra Hene 1 (acima na foto): Rei dos símbolos adinkras. Símbolo da grandeza, prudência, fimeza e magnnimidade.

Adinkra Hene 2: Outa versão dos rei dos adinkras. Símbolo da supremacia e da onipotência de Deus.



Hibisco Roxo

As sépalas desitratadas do hibisco roxo produzem um chá delicioso. Mas às vezes acontece de dar pulgão. Encontrei uma roça abandonada com tanto pulgão que não deu pra fazer chá, então fiz tintura para o papel. Basta ferver as sépalas.

 

Okoko nan: Os pés da galinha  

Os pés da galinha: a galinha pisa nos pintos, mas não os machuca. Símbolo da proteção materna e paterna e da disciplina temperada com paciência, compaixão e carinho.

 

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