terça-feira, 29 de setembro de 2020

MAP – Museu Afro-Periférico

 

                        

A ideia do Museu Afro-Periférico surgiu com a nossa produtora cultural Fabiana Alves em abril de 2020, depois de gravarmos um documentário sobre as ações do Mocambo APNs Nzinga Afrobrasil – Arte – Educação – Cultura, que sempre estiveram interligadas com meu trabalho como artista plástica e também com as pesquisas científicas nas questões étnicas e raciais que fui desenvolvendo ao longos dos anos em Presidente Prudente/SP.

Estas ações de militância no movimento negro como sujeito são frutos também das ações dos APNs – Agentes de Pastoral Negres, entidade nacional (Quilombo Central) e estadual (Quilombo Paulista) com vários Mocambos espalhados. É importante salientar que os Mocambos possuem especificidades: uns priorizam as formações continuadas, outros estão ligados aos Terreiros de Candomblés ou Umbanda, muitos ainda estão muito próximos da Igreja Católica onde vicejaram, mesmo tendo a entidade nacional se desvinculado oficialmente das Pastorais do Negro  já na década de 1990.

A ênfase na história dos APNs está em concordarmos com seu mote desde a fundação:   “Conscientização – Organização – Fé e Luta”, princípios que o Mocambo APNs Nzinga respeita e busca valorizar, principalmente com a arte negra africana e afro-diaspórica.

Sem a existência de todo este trabalho anterior seria impossível chegar hoje no estágio de planejar e executar a parte material, física do Museu Afro-Perifpérico, com as ações organizadas na Exposição Arte Malunga que estará ocupando os muros e telhados das casas de nossas malungas, com sede  no Mocambo Nzinga.

Estas atividades precisam de colaboração para que possam garantir obras de arte que impactem positivamente a comunidade negra daqui e colabore para criar um campo de ação para nossas malungas que já trabalham a tanto tempo, sem ter conseguido ainda um reconhecimento de suas ações.

Meu trabalho como artista plástica também não recebeu ainda o devido respeito, mesmo sendo um trabalho já premiado em ações anteriores.

Assista ao vídeo que inspirou a criação do Museu:

           https://www.youtube.com/watch?v=kNY8v85HEJU&app=desktop

 

 



foto: Agnaldo Júlio

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

 

HERANÇA DE MISÉRIA – Ivonete Aparecida Alves

Para um mandato coletivo de mulheres pretas

 

Eu poderia fazer muitas matérias

Para as redes sociais.

Compor muitas poesias

Escrever músicas

Poetizar melodias.

Mas o cotidiano está seguindo.

Folhas caindo

Outono atrasando a primavera.

 Não importa se é nova era

Para nós mulheres negras

A escravização perdura.

Diplomas acadêmicos

Em ganham moldura!

 

Paredes inteiras repletas de tarefas:

Limpar, pintar, tirar teias de aranha

Fuligem daquela nova queimada

A mangueira (cara! O vendedor garantiu que não enrola!)

Que nada!

Enrolada.

Mais um nó

Desatando a correria

Da vida

Não existe possibilidade

De pensar em qualquer candidatura

Preta lava

Preta enxuga

Preta cose

Preta cosinha

Preta estuda

Preta cuida das plantas

Preta olha o feijão

Pra não queimar

Preta colhe

Seu tomate sem veneno

Preta corre

Tá na hora de plantar.

A araruta desprezada

Debaixo do pé de bertalha

Gruda gavinhas no chão

Espera uma leira

Mas não espera não!

O guandu seca no pé

Faz música sob as patas de Cilorié.

A cidade poluída

Com a crise de humanidade

Os cães abandonados na cidade

Mais um saco de lixo

Arrastam pra lá e pra cá

Sobras de tudo que é tipo.

 

Tudo junto e misturado

Apanha aquele coitado

O desatino, de tanto consumo

O mundo que perdeu o rumo.

 

Uma montanha de embalagens

Uma montanha de dor

Uma montanha de candidaturas

Pra repetir a montanha

Não pra fazer canto de Osanha

Não chega a mim não senhor!

Preta para

Preta rara

Preta fala

Preta chora

Preta lava a face

Respira fundo!

 

Espera

Toda espera resultante

Toda espera suplicante

Por um fazer militante

Que saiba entender num instante

O quanto o machismo insulta

Um preto sorriso de amor!


Quem retira o entulho?
Classifica?
Dispõe de forma adequada?



quarta-feira, 16 de setembro de 2020

 

ARTE MALUNGA: sustentação ideológica e financeira

Ivonete Aparecida Alves  - Agbá do Mocambo Nzinga

 

... A perversidade do caso brasileiro

 

Na minha infância urbano rural, eu ficava dias desolada olhando a pobreza da nossa casa. Trabalhávamos muito, eu e minhas irmãs desde muito pequenas. A casa literalmente caindo aos pedaços não tinha luz elétrica, o forno do fogão não funcionava e o fogão a lenha ardia os olhos da gente quando a gente assoprava para avivar o fogo. Então a parte boa era o quintal de casa, repleto de frutas nas árvores.

Me criei em cima das árvores. O pé de goiaba tinha galhos grossos e comportava meu peso muito bem. As ameixeiras amarelas permitia que eu passasse de uma árvore para outra, sem ter que descer no chão.

Eu queria ter coisas além daquelas que matavam minha fome de comida. Queria poder usar uma roupa que não tivesse sido de muitas outras pessoas antes de mim. Um sutiã com elástico que prestasse e não fosse preciso dar tantos nós para ficar firme. E ainda recebia um monte de críticas porque o sutiã cheio de nós aparecia por debaixo da blusa.

Cresci sem poder solucionar a pobreza material nossa. A busca pelo trabalho foi outra luta enorme, pois uma menina preta que tinha estudado não faz diferença alguma numa comunidade pobre, sem os “quem indica”. Os dedos milagrosos que mantiveram a ideologia escravocrata.

Foi preciso aprender: nós pretas por nós mesmas. O desejo que algumas pessoas manifestavam para tentar entender nossa causa era pura falsidade. É um desejo para dirimir a culpa. Como continuar criando histórias falsas sobre nossa preguiça, nossa indolência se testemunha quem trabalha duro e ainda assim chafurda na pobreza?

Mas demorei algumas décadas para deixar de dar importância para as ausências. O que importa é a presença: a presença da sabedoria dos matos e ervas; a sabedoria da transformação do lixo em arte; a sabedoria sobre as técnicas sobre o uso de elementos da natureza; a sabedoria da cura do corpo e do espírito.

Economia de recurso. Economizar roupas usando roupas já usadas. Economizar água. Reter a umidade na terra. Usar os tijolos desprezados, cultivar os terrenos desprezados. Plantar e colher o de comer. Fazer sombra ao invés de climatizar artificialmente. Deixar o sol entrar, ao invés de ligar a lâmpada. Afinal cresci sem ter luz elétrica em casa.

 

 

ARTE MALUNGA com despojos

Despojaram uma grade na caçamba. Obra de arte. Despojaram um arco com uma base sintética. Obra de arte. Despojaram uma tela enferrujada: base para outra obra de arte.

Mas o estudo com as tinturas naturais esteve na base das  produções com adinkras. Foi muito difícil estudar as maneiras de usar a simbologia adinkra, respeitando toda uma história desta simbologia.

Então usei urucum. Usei açafrão e tintura de angico. Terra roxa de Iepê.

 Obra: A KILO roxo

obra e foto Ivonete Alves

Esta obra foi produzida sobre uma tela de janeira encontrada numa caçamba no centro de Presidente Prudente. Foram utilizadas 140 abayomis, e tecidos cortados e amarrados no telado. O símbolo adinkra usado foi o Tabono (símbolo da força, confiança e persistência).


Obra: Fofoo

Eta obra foi produzida sobre uma moldura de aço encontrada tem muitos anos. Esteve pelo quintal e já serviu de forma para peças em papel-machê. Aqui ela foi preenchida com a tela para galinheiro, presa por tiras de malha. em seguida foram aplicadas abayomis em torno o contorno do símbolo adinkra. o centro foi preenchido por tiras de malha verde.
o símbolo Fofoo (símbolo da necessidade de evitar o ciúme e a inveja) foi recortato em tecido de malha, a nossa malunga Alexandra costurou, preenchi com fibra sintética e depois apliquei pedaços de uma saia adquirida em um bazar da pechincha.


 

RECEITAS QUE COMPÕEM A BASE DAS PINTURAS DE ADINKRAS AQUI ILUSTRADAS

Açafrão

Pode ser o açafrão já em pó ou os tubérculos.

Os tubérculos devem ser batidos no liquidificador com um pouco de água. Coe e teste na folha. Eu consigo um pouco mais de cor deixando o pó no álcool, que também é conservante.

O açafrão moído também serve para tingir tecidos de algodão, mediante processo de fervura.

Símbolo adinkra pintado sobre papel Fabriano colorido com açafrão


 


Terra

Dissolva a terra na água e teste a cor e textura que deseja. Coloque um pouquinho de cola de boa qualidade para evitar que a terra solte da folha.




 

Urucum

Deixei as sementes de urucum no álcool por algum tempo. Na hora de aplicar a tintura no papel, eu usei também algumas sementes para conseguir uma coloração mais intensa no papel.

 




Cascas de beterraba

Usei as cascas de uma porção que cozinhei para a salada de beterraba. Amassei, apliquei com o pincel e depois fui colocando uns pedacinhos da casca para conseguir um tom mais forte em alguns trechos do papel Fabriano.

Funtunmmireku Denkremmireku: símbolo adinkra (compartilham um só estomago , porém brigam pela comida). Símbolo da unidade na diversidade.



Vamos ter uma postagem sobre os adinkras e também sobre as técnicas de produção dos trabalhos.

Então começe pesquisando e juntando material para produzir arte negra com os despojos e assim garantir que suas crianças e todas as pessoas tenham acesso a ela. É muito inundar nossas periferias com arte de boa qualidade. 


segunda-feira, 14 de setembro de 2020

 

A r t e    m a l u n g a    M A N I F E S T O.


Ivonete Aparecida Alves

Artista responsável

 

as telas para prender galinhas

prendem cores e formas

são elas versáteis como tinta aquarela

são telas

ficam elas perfeitas contendo

Bispo do Rosário

Não fazem desfeita

Quando encontra a arte Kuba

Dos BA.......Kuba

Dos Fula, ou Luba até Fang

Arawaté penas urucum

Contas do Rosário

Seu Bispo

Bispado de Kimpa Vita

Ou das mulheres Desmon Tutu

Mama Esther Mahlangu

Da África do Sul

Exu combinando Pomba Gira

Aqui Sônia Patuás Gomes

Olho de boi

Cambuci

Onde fiz carimbos adinkras

Dos Cashinahuas

Licença, Agô donos da Terra

Deixa a arte negra usar?

Osso, osso duro de roer

Espera Onilé

Me ajuda os caninos de casa

Meus caninos não.

Meu caninos não funcionam onde estão dentro da boca

Mas uso os caninos de alguém

Que está presente

Junto com outras sementes

Que caíram

Enfim

Arte Malunga

É assim

Realiza.

 

 

ARTE MALUNGA: processo criativo

Um  enorme desafio a minha pretensão de juntar desde a arte egípcia até algumas manifestações tributárias de diversos grupos étnicos africanos contemporâneos.

O encanto que a imagética africana provoca em nós na diáspora negra, me parece, no geral, não ser compartilhado pelos nativos do continente.

Meu contato com a arte africana se deu primeiramente com a mediação do educativo do Museu Afrobrasil, da cidade de São Paulo/SP. É deste Museu uma boa parte do acervo de catálogos, fotos (imagética, enfim) que utilizo . Faço visitas sistemáticas desde 2006 para acompanhar as pesquisas e acervo do Museu. Em 2006 fiz um curso sobre Arte Africana cm uma educadora do Museu e desde então venho buscando compreender as funções de cada máscara ou iconografia que utilizo, mas sempre existe um profundo vazio deixado pelo período escravocrata nas nossas subjetividades negras.

O encontro de uma peça que desejo elaborar não tem um critério definido. Já utilizei de tudo: escolhi cerca de 80 etnias africanas das quais queria ter uma peça perto de mim. As peças produzidas pela cultura yorubá estiveram em primeiro lugar. Fiz o Velho Yorubá “com profundas escarificações no rosto” e em seguida tentei seguir o roteiro de confecção de máscaras, mas não consegui.


Velho Yorubá -modelada em papel-machê


peça e foto de Ivonete Alves - 2006


Para chegar á esta Exposição, em 2020, aprendi a modelar o barro. A técnica ancestral na produção da cerâmica à partir da modelagem do barro foi um dos aprendizados mais acalentados com tive.
Aprendi em um cuso no Sesc Thermas de Presidente Prudente, com o Prof. Kleber José da Silva da Universidade Federal de São João del Rei e nosso amigo Deva Bagtha, agora funcionário do Sesc Unidade de Birigui.

o curso de Cerâmica coordenado pelos dois professores foi fundamental para que eu tivesse segurança, principalmente no processo da queima do barro. Importante lembrar que o Prof. Kleber estava realizando estudos que resultou no seu doutoramento no Instituto de Artes da Unesp em São Paulo: "A construção de fornos de baixo custo para queimas cerâmicas em alta temperatura: um percurso alternativo", defendida em 2017.(Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/150545>.)


Curso de cerâmica ofertado na Unicamp em 2017

foto: divulgação
Processo de elaboração de formas em gesso para produção de símbolos adinkras pelas alunas do Curso de Cerâmica ancestral



Assim, o processo de elaboração desta Exposição atual foi sendo construído à partir dos saberes de várias pessoas, na colaboração de ente interessada na arte negra brasileira, tributária da arte milenar africana.

               Peça inspirada no símbolo adinkra "fofoo", confeccionada com abaymis e tecido

Arte Malunga está em Processo.








quarta-feira, 2 de setembro de 2020

 Mocambo APNs Nzinga Afrobrasil e meu trabalho com arte afro-brasileira

Os anos passaram e ficou muito difícil manter em espaços diferentes o meu trabalho como artista plástica, educadora, professora de artes, malunga mais velha de um Mocambo e pesquisadora, além de várias outras atividades que venho exercendo.

Então vieram as novas formas de comunicação: facebook, twuiter, sites e agora o instagram. Na verdade formas de comunicação que tentam atingir o maior número possível de pessoas

Acontece que não tenho como atender milhares de pessoas com o meu trabalho. Até porque posso até ter estas ações comemoradas por milhares de pessoas, mas elas só tem valor para mim, diante da minha ancestralidade negra se for inspirada em ações realizadas, avaliadas e compartilhadas com o grupo de pessoas da comunidade onde vivo. 

Então vou continuar utilizando este blog e doravante vou publicar o que estamos realizando no momento, inclusive as propostas de trabalho planejada para ir a público à partir de outubro de 2020.


ARTE MALUNGA (a gênese)


Esta exposição começou a ser planejada há mais de uma década, quando fizemos uma Exposição de Arte Afro-Brasileira nos muros da nossa casa. Em maio de 2009, esta primeira Exposição trouxe peças de inspiração afro definida, como uma máscara Gueledés, Fang, Choke e outras. Além do trabalho coletivo nosso com uma peça inspirada  em obra da  Feira de Futungo de Angola.

E assim fomos confeccionando confeccionado as bonecas abayomis. Um desafio: produzir 4 mil bonequinhas de retalhos.




As primeiras semanas fizemos experiências no processo de confecção das abayomis, até que conseguimos produzir 100 peças de qualidade. Organizando a produção chegamos à meta de produzir 200 bonecas por mês.


Agora estamos na etapa de montagem de algumas obras:



A KILO Roxo.
1,20 mX 0,90. Base aramada em metal pintado, com tela aramada.



Orixalás


E assim segueremos.