SACOLAS CULTURAIS AFROBRASILEIRAS:
UM CENTRO DE LEITURA DENTRO DE CASA - Ivonete Aparecida Alves
Este é um
trabalho que iniciamos em 2009, com sacolas culturais, que após circularem em
Cambuci, bairro de Pres. Prudente/SP, agora também funciona em outros locais do
município (Escola Municipal, COOPERLIX, órgão de serviços; etc); em Paracatu/MG
e Almeirim/PA, no primeiro semestre de 2011 com financiamento da FUNARTE –
Fundação Nacional das Artes, do Ministério da Cultura.
O objetivo das sacolas é compartilhar
conhecimentos sobre leitura, literatura e peças étnicas que valorizem a cultura
afrobrasileira, brasileira e africana, desconstruindo preconceitos e processos
discriminatórios; amparando uma práxis, onde está inclusa a estética dos povos
da diáspora africana e suas reelaborações no contato intercultural: uma outra
leitura do mundo, que passa também pela leitura da palavra e avança na
construção de outras estéticas.
A leitura, a
arte, e o artesanato fazem parte de nosso cotidiano porém, nem sempre é fácil
identificar a origem histórica desses traços que permeiam nossa cultura. Esta é
uma leitura de negação, que ao ser desvelada, diante da história das peças
artísticas vivenciadas, há a emergência do Real e descoberta das nossas
manifestações culturais. Ainda que existam manifestações culturais empapadas
das mais diferentes etnias que compuseram a sociedade brasileira, há indícios
de uma riqueza enorme das culturas africanas e indígenas que aqui estão, realocadas
aos poucos e eficientemente com as sacolas culturais, pois com elas vão as
exposições de arte africana e diaspórica, música, teatro, rodas de conversa,
artesanato étnico e revistas diferenciadas.
Palavras-chaves:
Cultura afrobrasileira, literatura afrobrasileira, arte e negritude
Key words: Afro-brasilian culture,
afro-brasilian literature, art and
negritude
ABSTRATCT
AFRO-BBRAZILIAN
CULTURAL BAGS: A READING
CENTER AT HOME. - Ivonete
Aparecida Alves
RESUMO/
ABSTRACT
This is a project we started in 2009, in which cultural
bags go around Cambuci, a district of Presidente Prudente/SP. Nowadays the
project is in other districts too (Municipal School, COOPERLIX, service
departments, etc.); in Paracatu/MG and
Almeirim/PA. In the first semester of 2011 it was financed by FUNARTE –
Arts National Foundation, of Cultural Department.
The aim of such bags is to share knowledge
about reading, literature and ethnical objects that value Afro-Brazilian,
Brazilian and African culture, deconstructing prejudice and discriminative
processes; supporting the praxis, where it is included the aesthetic of African
Diaspora and their re-elaborations in intercultural contact: another view of
the world, which goes through word reading and goes ahead to other aesthetics
construction.
Reading, art, handcraft are part of our
daily life, but sometimes it is not easy to identify the historical origin of
such traits that permeate our culture. This is a denying reading, when it is
unveiled, through the experience with the history of artistic objects there is
a need for Real and our cultural manifestation discovery. Even there are
cultural manifestation dip in different ethnicity that compose Brazilian
society, there are evidences of a great abundance of African and Indian
cultures here, slowly and efficiently re-located through cultural bags, once
they carry African art exhibition and Diasporic, music, theater, talking
groups, ethnic handcrafts and different magazines.
Key words: Afro-Brazilian culture,
Afro-Brazilian literature, art and negritude
Nossa história
Depois de muito dialogar com várias pessoas que já atuam em projetos
culturais e participar do 17º. COLE – Congresso de Leitura do Brasil, na
UNICAMP, em julho de 2009, assisti à comunicação das professoras da Educação
Infantil de Campinas, Sidinéia Ferreira Lopes e Cassia Arlete Tossini da Costa,
na sessão 4 do Tema: Políticas Públicas em Leitura. As
professoras narraram sobre 2 sacolas de leitura que circulavam entre as
famílias das crianças de suas turmas da Educação Infantil, onde elas também
haviam detectado as poucas experiências leitoras que realizavam em casa, além
da qualidade e variedade destas leituras. As professoras decidiram enviar
contos em trechos para as famílias das crianças até chegarem a enviar a sacola
com livros e revistas. O projeto deu tão certo que muitos familiares começaram
a pedir livros extras para continuarem a ler.
Também buscávamos uma maneira de ampliar o universo leitor das pessoas do
bairro onde atuamos e cada idéia necessitava do trabalho de pessoas que ainda
não tínhamos formado. (Temos um grupo que coopera com a formação de
participantes para a Economia Solidária e auto-gestão)
Nosso coletivo, Nzinga AfroBrasil, Arte, Educação, Cultura já atuava com
as crianças desde o início de 2009, mas a participação dos familiares era
ínfima, inclusive na hora de compartilhar conhecimento sobre nosso trabalho e
peças que as crianças elaboravam.
Decidi então, fazer uma provocação, escolhendo autores e autoras que nos
pereciam muito diferentes daqueles que compõem o universo das pessoas das
classes mais excluídas de nosso município e compor as 10 primeiras sacolas
culturais que circularam em 2009 e 2010 no bairro, e no início do ano letivo em
2010 circularam na Escola Municipal Profª “Vilma Alvarez Gonçalvez”, a mais próxima do Nzinga, também em Cambuci,
entre as professoras da escola. Em 2011 essas primeiras sacolas ficaram como
referenciais para divulgação do Projeto e então elaboramos 10 sacolas com
conteúdos novos para implementarem o trabalho no Vilma; 10 para circularem na
COOPERLIX – Cooperativa de Reciclagem do Lixo de Pres. Prudente; 10 para
Paracatu/MG e 10 para Almeirim/PA (onde também circulam 5 sacolas de
literatura), compondo 03 Territórios da Cidadania, como previa o Edital da
Bolsa de Literatura da FUNARTE – MinC, com o financiamento desse órgão.
Cultura e leitura de mundo para
diminuir as desigualdades
O Programa
Territórios da Cidadania foi lançado em 2008, com o objetivo de diminuir a
desigualdade no meio rural, construindo uma política de desenvolvimento
sustentável conjunta: governos municipais, estaduais e a esfera federal.
Em 2009, o número de Territórios atendidos aumentou de 60
para 120, em todo o Brasil. O número de Ministérios envolvidos também subiu de
19 para 22, agora atingindo também a população urbana.
Este bolsa FUNARTE, com a qual fui contemplada, objetivou
fomentar ações de leitura e arte em 3 Territórios da cidadania: Presidente
Prudente (Pontal do Paranapanema); Paracatu/MG, (Noroeste de Minas); e
Almeirim/Pa, no (Baixo Amazonas).
O coletivo Nzinga Afrobrasil, Arte, Educação, Cultura nasceu
dentro do Território do Pontal do Paranapanema, inicialmente com a vivência na
confecção de bonecas e máscaras étnicas, depois com ação de fomento à leitura,
iniciando em 2011 com as sessões de
cinema regular, todos os sábados 19h30min, na sede do coletivo.
Pesquiso sobre a cultura africana desde 1998, mas foi
em 2004 que comecei a confeccionar bonecas inspiradas em originais africanas. Uso
garrafas pet, tecidos, contas, sobras de colares e os mais diferentes materiais
que são despojados por essa sociedade de consumo. A transformação de despojos
em arte é minha maneira de interferir no mundo, parindo outras peças e
colaborando na sensibilização das pessoas.
A composição das sacolas
culturais e as oficinas de leitura
São sacolas costumizadas
contendo: 2 livros de literatura, 1 CD, 1 DVD, 1 Revista Raça Brasil, 1 revista
de circulação nacional diferenciada (Caros Amigos, Fórum, CULT, Revista da
Fundação Cultural Palmares, sempre com títulos ou números diferentes, etc...),
uma peça étnica africana, afrobrasileira ou brasileira; e 1 caderno para
anotações. As sacolas circulam em grupos
de 10, 5 ou 4 pessoas. Para divulgação usualmente deixamos 2 sacolas para serem
compartilhadas com amigos, conhecidos ou no próprio ambiente de trabalho. Inicia-se
com a proposta de adesão espontânea para participar do projeto, e isto firma um
compromisso para participar de uma Oficina de Leitura, onde compartilhamos e
apreciamos o conteúdo de cada sacola, podendo começar com a Exposição. É nesse
momento que fazemos a tabela de circulação das sacolas, decidimos a
periodicidade da troca das sacolas e quais outros grupos poderão ter acesso ao
material. Em Paracatu/MG, o grupo decidiu que 4 sacolas ficariam no Quilombo S.
Domingos (zona rural do município) e 6 sacolas ficariam com as pessoas da
cidade, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Cultura.
Em
Almeirim- Pará, como sugestão do diretor de Educação
Municipal, Aldenis Rodrigues, propusemos como espaço-piloto a Escola Municipal
Osvaldina Pinto da Rocha (mais conhecida como Jardim da Infância). Por
solicitação da direção das escolas onde existe EJA – Educação de Jovens e
Adultos, montamos 5 sacolas, só com literatura para circular entre estudantes
da EJA ciclo 3 e 4 (correspondente à 5ª e 6ª séries).
As professoras da Escola Jardim de Infância também
firmaram compromisso de se encontrarem uma vez por semana para discutir as
peças étnicas e iniciar oficinas de confecção de material pedagógico inspirado
no conteúdo das sacolas culturais, além de começar sessões de cinema na escola,
compartilhando atividades entre as séries.
Lemos alguns trechos de algumas estórias, apreciamos
as peças étnicas, com a leitura de algumas fichas (que acompanham cada peça
étnica).
Bonequinhas que compõem as sacolas culturais Peças de artesanato étnico paraense; e da
etnia Kaipó-Asurini
.
As sacolas culturais com seu conteúdo variado são uma síntese de vários
trabalhos de pesquisa, cursos de arte e artesanato, exposições, rodas de
conversa e demandas das crianças do coletivo Nzinga Afrobrasil, do município e
da região, além de locais distantes com os quais mantivemos contato
participando de feiras, congressos, seminários e fóruns no Brasil.
Leitura do mundo, leitura da
palavra
A nossa participação em encontros internacionais tem possibilitado o
intercâmbio de informações e vivências também com pessoas das nações africanas,
com o que as sacolas culturais podem ser enriquecidas e/ou valorizadas.
Em julho de 2011 participando do FREPOP – Fórum Regional de Educação
Popular em Lins/SP, reafirmamos o compromisso de valorizar nossas experiências
culturais, trazendo para Presidente Prudente o Profº Liam Kane da Universidade
de Glasgow – Reino Unido (Escócia). O professor fez uma roda com as crianças do
coletivo e pudemos compartilhar vários saberes, facilitando o intercâmbio que
já estamos tentando firmar tem 4 anos. O objetivo é trazer para morar em Presidente Prudente
estudantes ou militantes da Escócia e assim vivenciar o inglês e o português na
comunidade, iniciando um processo de ensino-aprendizagem diferenciado para o
grupo de crianças e jovens da comunidade. Sem uma intermediação é praticamente
impossível para crianças e jovens desses Territórios viajarem para fora do
país.
As sacolas culturais na COOPERLIX
“Nós somos os meninos carrapichos,
Tiramos nossa vida do lixo
É do lixo que aprendi,
Eu aprendi a trabalhar
Então joga tudo no lixo
Que nós vamos lá buscar...” Efigênia dos Santos Roldão
(moradora de rua em Porto Alegre)
O chorume é o caldo do capitalismo e o que fica para a população pobre, a
taça de champanhe que o povo da periferia é obrigado a beber, cheirar, comer ou
retirar dele o necessário para alimentar uma cadeia enorme de exploração. Mas é
também no trabalho de coleta, seleção, agregando valor que o lixo para a ser
produto. Com todas as críticas não ingênuas que a gente pode fazer.
Ao iniciarmos o convite para que os recicladores/as da COOPERLIX pudessem
participar das Sacolas Culturais já sabíamos que o desafio seria maior e diferente
de outros locais onde as Sacolas já circularam. A autogestão ainda não foi
conquistada e as trocas das sacolas só acontecem se a gente for lá realizá-las.
Já na elaboração do invólucro procuramos
fazer uma pesquisa para montar sacolas que tivessem vindo de um trabalho
coletivo. Assim compramos tapetinhos confeccionados em Ibitinga/SP, com as
sobras de colchas que fazem do município paulista a capital de peças bordadas
para enxovais. Então passamos a pensar na maneira de montá-las e seus
conteúdos. As peças étnicas, livros de literatura, CDs e DVDs também foram
escolhidos com um propósito de pensar a agregação de valor cultural ao material
coletado.
Durante a Exposição na COOPERLIX e apresentação das peças, buscamos
intensificar a importância dos materiais que a COOPELIX tem fornecido para
nosso trabalho no campo das artes plásticas e do artesanato étnico.
Os materiais e produtos que reaproveitamos são inócuos à saúde das
pessoas e do meio ambiente e todo o processo de fabricação de objetos
artesanais e de arte da cultura afrobrasileira, brasileira ou inspirados na
cultura africana atendem aos princípios da originalidade, da confecção manual,
do estudo e planejamento de cada linha de peças e principalmente no uso desse
objeto como material de apoio pedagógico, valorizando a interculturalidade e
promovendo dinâmicas que ajudem a organização de demandas entre quem pode
produzir essas peças, a maneira de organizar essa produção enquanto buscamos
pensar, de forma coletiva como melhorar a qualidade de vida de quem precisa
sobreviver com a coleta desses materiais.
Não há dúvida de que o papel dos catadores é fundamental para que
possamos repensar nossa maneira de interferirmos nas dinâmicas ambientais que
estão afetando de forma negativa o planeta. Até para propormos novas maneiras
de produzir e sobreviver é necessário registrar o que é impossível ficar a
cargo dos catadores e recicladores, como o manuseio dos componentes
eletrônicos, por exemplo, onde é preciso um treinamento mais acurado para fazer
do reaproveitamento das peças e componentes eletrônicos uma atividade segura
para quem manuseia e também para o meio ambiente.
São desafios que acompanham a circulação das sacolas, porque a gente
dialoga com muitas pessoas e busca registrar soluções possíveis, fazendo o
papel de intermediação de experiências. Trouxemos de uma cooperativa de
Paracatu, idéias de agregação de valor que estamos organizando para que os
cooperados daqui possam ter acesso.
É de fato a vivência mais ética possível da chamada pesquisa-ação.
Forcluídos
É um conceito que vivenciamos por alguns anos estudando psicanálise da
educação em seminários organizados pela Profª Leny Magalhães Mrech da FEUSP e
para mim ficou que: forcluídos, à partir dos conceitos de Lacan, são aqueles
que embora componham a teia de relações sociais, ficam à margem dessa teia,
sendo explorados eficientemente. Com o estudo da economia solidária é possível
compreender que existam pessoas que não podem suportar a dominação de seus
corpos. Não suportam o controle mais sutil e por isso eficiente de suas ações,
tão estudado por Foucault, apresentado em Vigiar e Punir.
Então quebrar um circuito de “eu não quero saber de nada disso”, ou “isto
não me diz respeito” exige um comprometimento que necessita ser vivenciado. Na
verdade não é possível garantir que qualquer das ações que estamos intentando
no campo cultural surta efeito a curto prazo. Nossa garantia é que estamos
estabelecendo alguns laços. Os laços de comprometimento que é possível fazer
por onde passamos é que colabora na quebra de algumas “cadeias de gozo”: a
pessoa que está lamentando demais, com a cara carrancuda, reclamando,
reclamando e ficando na dor de seu pior.
A arte impera nos seus sentidos. Ela quebra certas imobilidades e nessa
quebra, abre brechas por onde o conhecimento estanque, avassala. A grande
questão que nos incita é que, ao mexer com estruturas alienantes, doloridas,
porém conhecidas, a gente firma um compromisso de responsabilidade, no conceito
que Antoine de Saint-Exupéry divulgou em “O Pequeno Príncipe”: “você é responsável por
aquilo que cativas”.
Agora já nos metemos a cativar gentes daqui, de Almeirim e também de
Paracatu, sem nenhuma garantia, a não ser um desejo forte de trabalho, de que
poderemos dar continuidade ao que já temos iniciado. Sem uma formação de rede
de trabalho, fica impossível atender demandas que provocamos nesses forcluídos.
Há pessoas daqui do bairro, que não conseguimos trazer para o grupo, pois
necessitam de monitoria especializada e não podemos assumir o transporte, o
cuidado para levá-las em casa depois da sessão de cinema e um desafio que tem
chegado com a possibilidade de iniciar um processo para implantar em Prudente,
algumas sessões de cinema para cegos, que vai exigir um compromisso do poder
público, das instituições e de outras pessoas que ainda não se sentem
responsáveis pela construção social e com políticas de acesso.
Estando na finada Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do
Ministério da Cultura, em Brasília trouxemos para Pres. Prudente, publicações
que possibilitam o início da experiência, mas para tanto estamos fomentando o
Conselho da Igualdade Racial para então aglutinarmos forças com o Conselho da
Pessoa Portadora com Deficiência de Presidente Prudente para mobilizar a
Associação de Cegos e demais entidades daqui e aí sim, iniciar mais esse trabalho.
Como discutir a apropriação da
história dos povos africanos e afrodescendentes num contexto de leitura do
mundo?
As sacolas que produzimos, além de possuírem toda uma história em seu
processo de elaboração, são declaradamente utilizadas à partir de uma leitura
de mundo: ética, séria, comprometida e com uma posição política! Não são
neutras! Da mesma maneira como pensamos nas sessões de cinema (com títulos
escolhidos cuidadosamente e depois de muita pesquisa), nas exposições, nas
rodas de conversa, nas oficinas de trabalho e na opção por incentivarmos no
coletivo as oficinas de teatro do oprimido. Cada escolha está empapada de
nossas convicções políticas: “de que mudar o mundo é difícil, mas é possível!”
O termo
“freireano” só tem sentido se puder ser vivenciado até as últimas consequências,
incluindo um diálogo, nem sempre acolhedor; principalmente de autoridades
estabelecidas, ainda que sejam fruto de uma democracia de baixa intensidade, no
dizer de
Boaventura
de Sousa Santos.
Para uma intensa provocação, tivemos que realizar uma “graduação alternativa”.
Não porque Florestan Fernandes não estivesse no referencial bibliográfico do
curso de Sociologia da Educação, por exemplo; mas porque “O negro do mundo dos
brancos” não o compunha. Li, porque
comprei e estudei; muito além do referencial presente no curso. Que dizer então
de Octavio Ianni, Franz Fanon, Nei Lopes, Joseph Ki-Zerbo, Aimé Césaire, Carlos
Moore, Beatriz Nascimento e tantos outros pesquisadores/as negros e negras que
foram, sistematicamente boicotados/as na nossa formação, incluindo Paulo
Freire, lido fora do contexto acadêmico, ainda que celebrado como “conhecido”
nesse contexto da negação acadêmica. As indagações que essa leitura da negação
provocou, necessitavam de uma resposta. E algumas dessas respostas precisam de
materialidade, daí meu trabalho de recuperar na história das máscaras africanas
algumas “sínteses imagísticas”.
Peça Fang no Museu de Portrait
Of Russolo Peça que confeccionei em papel-machê
Paris (coleção particular) -
ao lado vaso para ikebana
Desenho de Luigi
Russolo
Não foi preciso
ler Raul Córdula para descobrir que a arte africana, brasileira
e de outras localidades tinha sido apropriada por grandes, famosos e ricos
artistas ocidentais. Quando comecei a estudar a arte africana descobri uma
intensa semelhança entre Guernica de Pablo Picasso e a imagística Fang – povo
que sobrevive em Gabão, Camarões e Guiné Equatorial.
Tive sérias
dúvidas e me pus a pesquisar com mais eficiência, usando palavras-chaves e qual
não foi minha surpresa ao saber que o Museu de Nova Iorque tinha já montado uma
Exposição, composta por obras de Emil Nolde, Paul Gauguin, Henry Moore, Paul
Klee, Henri Matisse, Mac Chagall, Max Ernest, Joan Miró, Amadeo Modigliani,
Pablo Picasso e muitos outros artistas que usaram intensamente a arte africana,
em uma época em que a ética era a do dominador e os povos explorados não tinham
a internet para organizarem suas discussões e trocas de informação.
A questão que
ficou e a gente pouco discute é: por quê essas informações continuam sendo
sonegadas? E mesmo quando as informações são organizadas em artigos, eles estão
recheados de expressões racistas como no de Leonor Amarante, na revista
Brasileiros nº 5, de agosto de 2010 “Mergulho no primitivo para ousar na
modernidade!”.
Ainda que
pretensa à crítica a editora da revista flagrantemente desconhece as nuances
profundas do artista africano e de como conseguiu compor peças com uma
qualidade artística admirada (ainda que com ares de superioridade) por toda a
sociedade acidental.
Dessa maneira
adotamos o termo arte primeira, para destoar do termo “primitivo” que chega ao
nosso universo carregado de uma carga ideológica negativa. Primeiro, primeira
não importa muito para quem cria, mas arte também é engajamento político. Parte
dessa luta pode ser realizada competentemente com a criação, divulgação e
formação de público em literatura, leitura, artes plásticas e diversidade
cultural.
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