sexta-feira, 25 de abril de 2025

 

Em 1993 defendi uma monografia em comunicação social chamada Metodologia da Elaboração de Subsídios para Comunicação em Agricultura Natural, na FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP EM Bauru. Tive como orientador o professor Matsuel Martins da Silva.

Para compor o texto esta monografia eu produzi uma escrita com muitas imagens, artigos de jornais da época e também trechos ou matérias que foram publicadas sobre o trabalho que estava sendo realizado, que tinha várias interligações. A Introdução da monografia é:

"Na cidade das cerejeiras, os caminhões cortam as avenidas da cidade, sacolejando nos quebra-molas e gemendo nos buracos do asfalto.

Nas margens da estrada, o café não reina mais absoluto. Milho, seringueira, eucalipais, hortas, granjas e gora estufas, muitas estufas...

O trevo da Rodovia Comandante João Ribeiro de Barros, que dá acesso à Gália, está em obras e logo depois existe uma estufa, abaixo adornada por uma represa para criação de peixes.

Na primeira vez que passei por esta estrada como técnica em agropecuária da Delegacia de Ensino de Garça, estava na companhia da Professora Rosa Elisa piola, coordenadora o projeto de Enriquecimento Curricular para as Escolas Públicas da Zona rural.

Senti a paisagem diferente ao observá-la através dos vidros do carro. Pelas frestas de um caminhão de bóia-fria, a paisagem entre pelos olhos acompanhada de poeira, ciscos de grama e fuligem de queimadas, ou às vezes gotas de chuva

Tínhamos o espaço de dentro do carro preenchido com planos e desejos de mudar a vida das pessoas da zona rural. Em cada localidade visitada, havia muito a fazer. Os prédios precisavam e reformas, luz, água potável, banheiro, merenda, mais professoras... Os professores precisavam de ajuda para transporte, de um auxiliar de serviços, de melhores salários, etc.

Hoje o panorama não mudou muito. É com pesar que constato uma pobreza muito maior nas vilas, ruas, cortiços e escolas. O número de caminhões de bóias-frias nos pontos diminuiu bastante.

o Projeto Experimental para a graduação saiu espremido na roda viva deste Brasil de fome, recessão, sal, sol e carnaval.

O Projeto de Enriquecimento Curricular para as Escolas Públicas de Zona Rural foi implantado em 1989, através do "Programa de Reforma da Escola Pública localizada na Zona rural", de Chopin Tavares de Lima, então secretário de Educação do Estado de São Paulo. Virou história de futura jornalista, aqui neste relato, nem sempre claro e objetivo."

Eu havia finalizado o curso Técnico em Agropecuária em 1985, desde então procurando trabalho na área. Como não consegui, aceitei uma vaga de um concurso estadual para ser escriturária, trabalho que odiei ter que fazer, apesar de várias coisas que aprendi  de mulheres maravilhosas que pude conviver naquela cidade de Garça e na região. Assim que soube do concurso para as escolas de zona rural fiquei empolgada e me dediquei muito no processo seletivo. As escolas agrícolas eram majoritariamente reduto masculino e nós as meninas éramos poucas e sofremos várias discriminações de gênero. tivemos um professor da disciplina de Veterinária que pediu demissão porque tinha vergonha de explicar processos reprodutivos dos animais com as garotas na sala. Os anos de Colégio Agrícola foram repletos de casos de discriminação, mas eu queria muito continuar e semprei amei o trabalho n a roça, com uma proposta de vida no campo e para o campo.

Nascida numa família de bóias frias tudo que se referia a agropecuária me interessava, além de um gosto aguçado de aprender. Foram anos de muito trabalho e no período das férias eu trabalhava na lavoura de café, indo de caminhão para a roça.


Como éramos transportados para a lavoura de café nos anos 1980 - foto Ivonete Alves



A escola do Bairro CAIC  - Foto Ivonete Alves

Como técnica em agropecuária eu também encontrei uma variedade de desafios para chegar às escolas de zona rural, porque eu não tinha carro e nem moto. Então em muitas ocasiões cheguei nas escolas de bicicleta ou de carona na estrada a CAIC. Foram raras, mas cheguei a distância a pé, de Gália até o Sítio da Família Belusi, onde existiu um núcleo do Projeto.

Como fato histórico nesta monografia registrei:

O Decreto 29.499 de 05 de janeiro de 1989, do Governo do Estado de São Paulo, implantou o Projeto de Enriquecimento Curricular para as Escolas Públicas de Zona rural considerando a necessidade de: 

- enriquecer o currículo das escolas de zona rural objetivando ampliar as oportunidades educacionais para crianças, jovens e adultos da zona rural;

- estabelecer condições que garantam o acesso e a permanência do educando na escola de zona rural;

- racionalizar o trabalho nas escolas da zona rural, agrupando-as de acordo com as características e peculiaridades locais;

- organizar gradativamente o agrupamento visando promover a interação de zona rural com a comunidade e viabilizar a integração do ensino regular com oportunidades de aprendizagem de noções de agropecuária para a produção educacional da zona rural. (CHOPIN, 1989, P. 21).

Rodovia e casinha típica do bairro CAIC - Em 1989 era distrito de Gália, passando depois a pertencer a Fernão Dias.


 Fonte: site da Prefeitura Municipal de Fernão Dias


Detalhe da lagarta que produz a seda


Barracão típico do bicho da seda

Imagens: Bruno Ferraro| divulgação Folha de Londrina: 08 de maio de 2021: 


Em 1989 quando iniciamos as visitas para convidar as escolas de zona rural a participarem do projeto de enriquecimento curricular a Família Belusi já não criava mais bicho da seda, priorizando a cultura do café e a construção de uma estufa para produção de hortaliças, processo que estagiários que coordenei contribuíram, no período das férias escolares.


Desde a início do nosso trabalho na Delegacia de Ensino de Garça me defrontei com a necessidade de pensar na formação continuada de professores e professoras da rede pública, fato bem pautado durante os anos em que atuei como técnica em agropecuária. 

Um fato foi um divisor de águas na minha formação como educadora popular: ter conhecido Paulo Freire em 1990 numa formação para nós do Projeto de enriquecimento Curricular do estado todo, organizada pela FDE - Fundação para o desenvolvimento da Educação de São Paulo (estado). Ele estava como Secretário da Educação da gestão de Luiza Erundina. Éramos técnicos em agropecuária e coordenadoras pedagógicas de várias Delegacias de Ensino e as trocas de saberes, fofocas, projetos e planos dentro de uma instituição era muito novo para mim.
Nós conversávamos muito, mas eu não tinha como dimensionar a importância daquele encontro histórico na nossa formação.

FDE - 1990 - Auditório lotado para ouvirmos Paulo Freire - fotos Ivonete Alves

Eu estava no 1º ano da Faculdade de Comunicação, empolgadíssima com o curso de fotografia e tinha comprado uma máquina profissional, que eu não sabia usar com competência. Fiz algumas fotos inéditas e tive a inspiração de solicitar a gravação da palestra de Paulo Freire para o técnico da FDE.



As fotos não ficaram tão boas como poderiam, mas o registro do momento foi muito importante. A gravação da palestra que solicitei ao técnico da FDE também, porque ano seguinte teve uma inundação na Fundação e o acervo foi todo perdido, então mesmo despois de 30 anos somente eu tenho esta gravação. Tentei entregar para Nita Freire váias vezes, mas não chegou às mãos dela. A pessoa ficou com as fitas cassete. Depois transcrevi e envieei para ela o texto escrito dentro de um livro que escrevi e ela pediu que eu retirasse do livro. Retirei do livro. Não publiquei nem o livro, nem o texto.

Décadas mais tarde, em 2021 apresentei um trabalho na Faculdade de Educação da Unicamp, onde me doutorei, chamado "A voz de Paulo Freire em minha Casa" porque fiz a transcrição da palestra dele em um período onde sofria com minha filha pequena, já em Presidente Prudente e foi este trabalho de transcrição que me deu forças para continuar lutando.


 
  

A Educação Ambiental dentro na Monografia que ficou na vida

Durante os primeiros anos em que atuei na Delegacia de Ensino de Garça as questões liadas à produção através da Agricultura natural esteve no foco das minhas preocupações e aprendizado. Foi durante uma reunião com três mulheres incríveis que mergulhei também na Educação Ambiental. Estiveram na Delegacia de Ensino Suzana Machado Pádua, Marlene Francisca Tabanez e Maria das Graças Souza para propor uma formação em Educação ambiental para a rede de ensino de Garça e o delegado de ensino da época José Benevides Cavalcanti pediu que eu participasse da reunião com elas. 
Fizemos uma parceria de trabalho e a Estação Ecológicas dos Caetetus passou a ser outro lugar mágico onde aprendi muito sobre a conservação da natureza, construindo um liame teórico que deu corpo ao meu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo.
Maia que isto, me possibilitou compreender as malhas de destruição do mundo que a classe dominante agrária decidiu fazer com o apoio da elite escravocrata que segue agindo nos poros sociais no mundo todo. 

Para aprender sobre Agricultura Natural fiz estágio na Fundação Mokiti Okada em Mogi das Cruzes, depois em Ipeúna. Para aprender sobre Educação Ambiental já pude ir direto para a organização de um processo formativo. Foram alguns anos de negociação para que a CENP certificasse o trabalho e também houvesse as negociações para permitir que as professoras da rede estadual pudessem fazer a formação. 
Em 1994 a formação aconteceu. Eu já tinha minha filha e fomos com todas as tralhas fazer trilhas no mato.  Como presente uma família de micos leões preto ficou brncando na trilha com um gande equipe admirada com tanta harmonia. Muitos pesquisadores ficavam a semana toda tentando ver os micos e iam embora frustrados porque não os encontravam e eles vieram na trilha principal e ficaram brincando enquanto a gente podia admirá-los. Foi um encontro muito importante.


A Educação Ambiental na Febem

Em 1995 encerrou meu contrato na Delegacia de Ensino de Garça. Eu já tinha o diploma de jornalista, uma experiência profissional relevante e muitos sonhos de que conseguiria trabalho com facilidade. Fui embora de Garça para Porto Seguro na Bahia. Lá conheci pessoas Pataxós, pessoas de uma organização ambientalista e tive que voltar para São Paulo. 
Atuei na Folha de São Paulo, fiz pesquisas de campo, tentei entrar no mestrado muitas vezes e passei no concurso da Febem para ser Educadora Ambiental.

Daí em diante a narrativa já está presente na minha tese de Doutorado:

https://unicamp.br/unicamp/teses/2022/10/07/mulheres-negras-sankofando-no-mocambo-nzinga





Fontes:

ALVES, Ivonete Aparecida. Metodologia da Elaboração de Subsídios para Comunicação em Agricultura Natural. Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Comunicadora Social. Orientação de Matsuel Martins da Silva. FAAC/ Unesp de Bauru, 1993.

 

https://www.folhadelondrina.com.br/folha-rural/bicho-da-seda-e-fonte-de-renda-para-mais-de-2-mil-familias-no-pr-3070234e.html?d=1


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