quinta-feira, 25 de setembro de 2025

 

MÃOS NEGRAS COM GAIA: PERCURSOS – 2025 – Assis/SP

Ivonete Aparecida Alves - Artista plástica - Agbá do Mocambo Nzinga

 


Uma das primeiras obras com a técnica da Kizombagem





Introdução

A concepção desta Exposição reflete parte de meu percurso como artista, me forjando através do contato com minha ancestralidade negra,  levando em consideração alguns pressupostos de trabalho, até chegar na criação da técnica da Kizombagem, gestada no útero de várias outras artistas negras e também com a semeadura de homens artistas do Brasil e da diáspora Alkebulana[1]. Para que fique evidente o que é a Kizombagem vou já trazer a definição que elaborei sobre esta técnica de produção artística, conceituada por mim.

 

KIZOMBAGEM: A GÊNESE DE UMA TÉCNICA ARTÍSTICA NO COLETIVO

 HISTÓRICO

A base para a criação dessa técnica artística é o reaproveitamento e a reciclagem de materiais. Então este histórico está bem articulado com minha história de vida e também com os locais onde atuei como técnica em agropecuária e como educadora ambiental. Também defendi uma monografia na Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design  - Câmpus de Bauru em 1993, denominada Metodologia da Elaboração de Subsídios para Comunicação em Agricultura Natural, onde narrei parte do percurso da pesquisa com Educação Ambiental na Delegacia de Ensino de Garça onde trabalhei de 1989 até 1994.

Parte deste tempo prestei serviço na Secretaria Estadual do Meio Ambiente, atuando na Estação Ecológica dos Caetetus (Gália, Lupércio, Alvinlândia) nos anos 1990. Na  antiga Febem  como educadora ambiental de 1998 até 2001.

Durante todos estes anos estive envolvida na criação e recriação de técnicas de reciclagem, reaproveitamento e de exercícios didáticos para a formação de professoras. O foco em outras pessoas não envolvidas em instituições e também artistas em formação, foi um fato desde a criação do Mocambo Nzinga em 2009, já em Presidente Prudente/SP.

Então quando fui convidada para participar com artista plástica na criação de obras para uma Exposição em Presidente Prudente, em 2021, processo chamado Arte Malunga, já estava experimentando a técnica, ainda não nomeada da kizombagem. Em 2022 escrevi um pequeno texto já nomeando e definindo a técnica com alguns princípios de elaboração:

“Etapas da elaboração da kizombagem:

1.        Escolher o que elaborar para pensar o como fazer;

2.        Conhecer os procedimentos necessários para alcançar o resultado estético almejado, usando o máximo possível de materiais de segundo uso, reaproveitados de peças antigas ou adquiridos em brechós, lojas de usados, cooperativas de catadores ou cachambagem;

3.        Saber quais as receitas que respeitam todos os princípios da kizomgabem, inclusive se esforçando para criar novas receitas, à partir de outras experiências artísticas de pessoas negras ou estudando as técnicas de elaboração de suas obras .

Técnicas subsidiárias na produção de arte na kizombagem

1.        Cola com serragem;

2.        Massa colorida de serragem para apliques diversos;

3.        Mistura mágica com papel reciclado;

4.        Pintura com elementos da natureza

5.        Terras para acabamento;

6.         Uso de todo e qualquer material coletado, sobras de colares, colares já usados e descartados, tecidos, vitrilos, sementes, miçangas, tecidos recortados, fuxicos, toalhinhas de crochê,  pequenas máscaras de inspiração étnica aplicadas nas obras, ferramentas de orixás e orixás produzidos em tecidos, cerâmica e/ou papel machê; etc.

Aos poucos o uso de tecido sobrepujou os outros materiais, porque as Bonecas Abayomis estiveram presentes na elaboração de quase todas as obras de arte de 2021 e o fato de possuir exemplos práticos, facilitou o ensino do processo para as outras malungas do Mocambo Nzinga.

Despojaram uma grade na caçamba. Obra de arte. Despojaram um arco com uma base sintética. Obra de arte. Despojaram uma tela enferrujada: base para outra obra de arte. Foi assim elaborada as 24 obras desta Exposição que ficou em cartaz no quintal do Mocambo por alguns anos. A estreia da Exposição foi on-line devido à Pandemia do Covid 19, com uma leitura prévia das obras, produzida por um homem cego, o que possibilitou a descrição de todas as obras da Exposição com esta assessoria.

 

ARTE MALUNGA com despojos

Despojaram uma grade na caçamba. Obra de arte. Despojaram um arco com uma base sintética. Obra de arte. Despojaram uma tela enferrujada: base para outra obra de arte.

 Obra: A KILO roxo



obra e foto Ivonete Alves

 

Esta obra foi produzida sobre uma tela de janeira encontrada numa caçamba no centro de Presidente Prudente. Foram utilizadas 140 abayomis, e tecidos cortados e amarrados no telado. O símbolo adinkra usado foi o Tabono (símbolo da força, confiança e persistência).

 


 Obra em Execução
obra executada

Obra: Fofoo ( fofoo é o nome de uma planta africana, cuja semente tem esta aparência)

Esta obra foi produzida sobre uma moldura de aço encontrada tem muitos anos. Esteve pelo quintal e já serviu de forma para peças em papel-machê. Aqui ela foi preenchida com a tela para galinheiro, presa por tiras de malha. Em seguida foram aplicadas abayomis em torno do contorno do símbolo adinkra. o centro foi preenchido por tiras de malha verde.

O símbolo adinkra Fofoo (símbolo da necessidade de evitar o ciúme e a inveja) foi recortado em tecido de malha, a nossa malunga Alexandra costurou, preenchi com fibra sintética e depois apliquei pedaços de uma saia adquirida em um bazar da pechincha.

 

 

 

As obras da Exposição Mãos Negras com Gaia: percursos

A Exposição terá uma estrutura produzida com caixotes de feira reaproveitados, madeirites, portas reaproveitadas, varais como suporte, mesinhas, carteiras, caixas, etc.

Tambor Bamum

Painel Kizobamgem 1 (suporte aramado)

Painel Kizombagem 2 (suporte aramado)

Painel Kizombagem 3 (suporte aramado)

Máscara capacete Gueledès (sobre caixote ou mesinha)

Butões para paletó, sobretudo e pereline (peça em tecido, pode ser esticada com fio esticado)

 Máscara BWA com pintura de tawás




Peça de inspiração BWA com pintua de tawás



Obras produzidas com tinturas naturais

23 paineis de papel com tintura natural. Obras sobre papel fabriano, gramaturas 160 e 180 (colada e paredes ou outros suporte verticais)

Obras com símbolos adinkras

1-     Owo foro adobe; 2. Okodee MMowere; 3- Nkotimsefo Mpua; 4- Dwenini MMen; 5- Epa; 6 - Ananse Ntontan; 7- Okoko nan; 8- Fafanto; 9 - Funtummireku denkremmireku; 10 - Adinkra Hene  1 e 2;  11 - Odenkyem; 12 - Sankofa sobre frabiano açafrão; 13 -Sankofa sobre fabriano grãos de urucu; 14 - 4 sankofas sobre tintura de angico.

 

Estudos de coloração para fundos e obras

Café em pó com água como solvente

Urucum semente com água como solvente

Hibiscos em pó com álcool como solvente (3 folhas)

Café em pó com álcool como solvente

Açafrão em pó co álcool como solvente

 

Gravura

Uma negra com estilo

Gravura sobre papel fabriano tingido com  café, açafão e urucum                                                  

 

Instalação

Patuá com ninho de guaxo – ( pássaro Japiim das costas vermelhas -  Cacicus haemorhous L) - (o ninho do guaxo sob um vaso de barro queimado, colorido com tawás e com a planta Espada de Yansã mini). Tawás são pedras de pintar trazidas de Minas Gerais.



patuá com ninho de guaxo - instalação


A cabeça de Zumbi (raízes, cipós, sementes, pedras, musgo, pano e um tanto de exercícios de Kizombagem em cascata da cabeça de Zumbi)

Ao lado uma foto com Zumbi menino inteiro no ano de 2009 na Escola Municipal Vilma Alvarez Gonçalves em Prudente.

Cartazes das Exposições anteriores presentes nesta Exposição

Afroparque nós na arte viva – 2024

Ateliê de práticas artísticas: Xirê, arte feminina africana (alkebulana)

 

Cartazes didáticos de formações realizadas pela artista:

Matéria da revista Raça Brasil sobre a criação da boneca Abayomi por Lena Martins.

 

 

As técnicas da Kizombagem

Exercícios didáticos apresentados em cursos e exercícios didáticos de cursistas.

 

 



[1] Alkebulan é o nome genérico do continente africano antes da invasão europeia e da europa subdesenvolver e explorar as pessoas e roubar a riqueza do continente, inclusive o status de humano que o processo escravizatório constituiu e continua alimentando sua existência.